O novo episódio do Na Escuta recebeu Gessica Justino, Brand Manager, nos estúdios da MAXI, para um bate-papo inspirador. Com passagens por grandes marcas, como spotify e adidas, Gessica compartilhou com Cindy Feijó, CEO do Promoview e um pouco sobre a sua jornada pessoal, relação das marcas com a cultura brasileira, gerações e oportunidades que podem estar sendo perdidas no setor.
A profissional iniciou sua trajetória na dança contemporânea, atuando como bailarina profissional em companhias nacionais e internacionais. Contudo, percebeu cedo os limites físicos e temporais da carreira artística. Foi nesse momento que passou a explorar como seu olhar sensível e sua vivência corporal poderiam ser aplicados em outras áreas.
A escuta atenta ao corpo e à sociedade a levou a ser reconhecida como uma profissional de inteligência cultural. No auge das dúvidas do mercado sobre os millennials, foi convidada a colaborar com agências e marcas, trazendo insights sobre consumo e comportamento.
Sua bagagem técnica e criativa permitiu que atuasse no planejamento estratégico com uma abordagem única: “você precisa olhar as pessoas. Se você não olha pessoas, você não olha pro que está acontecendo”. Com o tempo, passou a ocupar também posições de gestão, acompanhando de perto desde a criação até a execução das ideias.
Sua trajetória também se entrelaça com o que mais tarde viria a ser chamado de creator economy, embora, na época, o pensamento fosse voltado à mobilização comunitária. “Era uma economia de pessoas, quase que tecnologia humana pra dentro daquele negócio. Eu trazia essas pessoas pra o negócio acontecer”.
Marcas e a cena cultural brasileira
Para Justino, o relacionamento entre marcas e eventos culturais no Brasil está se tornando previsível e arriscado. “A gente vê sempre os mesmos festivais com as mesmas marcas com o mesmo caráter de experiência”, observa. Na visão dela, existe uma limitação, seja por medo de arriscar ou por falta de perspectiva cultural, que impede a renovação e a diversificação das ativações. “Com um orçamento limitado dá pra criar uma coisa nova, uma experiência nova”, defende.
Ela também destaca o potencial de regiões frequentemente ignoradas, como Belém do Pará, onde vê iniciativas potentes acontecendo de forma orgânica, sem apoio comercial, mesmo em um ano de COP 30. “Por que aquela marca não tá aqui?”, questiona, chamando atenção para manifestações culturais que expressam o Brasil real, mas que ainda estão fora do radar das grandes empresas.
Da análise para a oportunidade
Pensando nas ações offline, as marcas precisam adotar uma postura mais criativa e sensível ao analisar os dados dos públicos dos eventos. Em vez de focar apenas em números, ela defende o uso da “tecnologia humana” — um olhar qualificado e empático sobre as pessoas por trás dos dados. “Eu sempre prefiro qualificar e codificar a partir da qualificação. Tá faltando na gente, enquanto marca, essa característica criativa de entender oportunidades de conversas que realmente sejam potentes”, afirma.
Segundo ela, muitas marcas se limitam ao básico, repetindo fórmulas seguras por falta de interesse ou conhecimento para pensar diferente. “O verdadeiro diferencial está em propor experiências que partam do interesse real das pessoas, criando conexões legítimas e duradouras”, comenta.
“Se uma marca cria uma experiência voltada pras pessoas, diretamente conectada com elas, com o interesse delas, as pessoas vão defender essa marca”, diz. Marcas legítimas, de acordo com Gessica, são aquelas que não apenas se inserem em espaços, mas que compõem verdadeiramente a mesa da conversa, entendendo o contexto e a cultura em que estão inseridas.
Oceanos de oportunidades
A Brand Manager acredita que as marcas estão deixando passar grandes oportunidades por não olharem com atenção e humildade para o que está acontecendo nas ruas e territórios culturais do Brasil. Ela defende uma escuta ativa e honesta como ponto de partida para conexões verdadeiras: “Tenta baixar um pouco a bola e enxergar as coisas. Ah, mas onde eu não enxergo? Vê. Vai pra rua. Encontra quem hoje tá fazendo aquilo que você diz que quer fazer. Traz essa pessoa pra perto e escuta”. Para ela, o problema muitas vezes está em trazer vozes autênticas para o processo, mas tentar moldá-las ao discurso da marca — o que invalida a escuta real.
Gessica propõe uma abordagem prática e respeitosa: mapear expressões culturais locais, se conectar com agentes e coletivos autênticos, e construir com eles. “Chegando lá, como é que acontece aqui nessa cidade? Por que tem um festival que existe? Ou tem a moça que faz aquilo? Deixa eu lá conversar com ela pra entender”. Ela sugere que marcas identifiquem agências e talentos locais como possíveis parceiros estratégicos. “Chama ela pra conversar… deixa eu trazer pra dentro essa discussão, formatar e volto pra lá: amigo, isso aqui funciona? Como que funciona?”.
Por fim, a executiva aponta movimentos culturais emergentes que ainda não foram totalmente compreendidos pelas marcas, como a forte relação do público brasileiro com a cultura coreana. Ela enxerga nesse fenômeno uma brecha potente para sair do lugar-comum e dialogar com novos perfis de consumidores.