Em sua coluna mais recente pelo Promoview, Paula D’Almeida posicionou o questionamento da gamificação sendo apenas uma distração lúdica usada pelas marcas, ou um mecanismo de engajamento que gera uma memória mais perene na mente do consumidor.
Essa discussão, no entanto, não vem de hoje e, especialmente em tempos recentes, há empresas que entendem “gamificação” como uma atividade extra, efetivamente gerando ações de pouca ou nenhuma conexão “marca-mensagem-público”.
Tal debate, que antes focava na importância do storytelling, agora se aprofunda na própria aplicação do conceito. Afinal, em um mercado saturado de buzzwords, a gamificação corre o risco de ser usada de forma genérica, reduzindo seu poder estratégico. Então, como superar o desafio de reconhecer as rotas estratégicas para este conceito?
A dupla face da gamificação
Etimologicamente, o termo “gamificação” foi criado apenas em 2002, quando o programador e designer de jogos britânico Nick Pelling o usou como um “guarda-chuva” para representar atividades que levassem a algum tipo de recompensa. Antes disso, porém, o pesquisador Thomas Malone já explorava, lá nos anos 1980, a ideia de usar elementos de videogames para tornar tarefas de computador mais motivadoras.
No mercado corporativo, apenas a partir de 2010 é que o termo “gamificação” ganhou a forma que conhecemos hoje, como um conceito de jornada do consumidor com uma recompensa no final — além, logicamente, da ideia de que as mensagens centrais de uma marca fossem pulverizadas ao longo dessa jornada, a fim de criar memórias mais duráveis na mente de quem participasse das atividades propostas.
Hoje, no entanto, há quem entenda que a gamificação tenha duas ramificações distintas: uma abordagem se concentra na eficiência de um evento, enquanto a outra se volta para a construção de uma relação duradoura com a marca. E como os profissionais de mercado apontam, a aplicação correta depende diretamente do seu objetivo.
Para Alessandro Moreira, gerente de marca na Chroma Garden, a falta de consistência é o problema. “Muita gente diz que está gamificando ou acha que sabe o que é ‘gamificar’, mas nem sempre aplica o conceito de forma consistente”, afirma. Essa falta de alinhamento com a estratégia real da marca é o que diferencia uma ação de engajamento de uma simples distração.
Do outro lado, Douglas Faustino, que trabalha como designer na Cenno, resume a realidade prática: “é difícil fazer isso quando a gente tem um tempo máximo de 5 min por pessoa e grupo e quer impactar muita gente”, ele comenta.
O desafio de aliar o curto prazo e o longo prazo
Dentro da ótica de ambos os profissionais, o timing é o maior aliado e maior inimigo das marcas que engajam em gamificação: de um lado, a ação precisa ser uma cápsula de experiência, onde a progressão e o propósito são entregues imediatamente.
Dois exemplos práticos: o Prime Video, por exemplo, criou uma experiência imersiva para Fallout no SXSW 2024, usando um aplicativo para que os participantes coletassem itens e moedas, transformando todo o cenário em um game. E, no Rock in Rio 2024, a Tostitos utilizou ingredientes impressos em 3D e sensores em bancadas para criar uma ação lúdica, com uma missão clara de montar um molho entre amigos.
Douglas sugere que “quando tem um ranking… ou melhor fazer em grupo numa ativação pode fazer com que o engajamento seja maior e não só uma atividade para ganhar o brinde”. A experiência, nesse caso, precisa ser tão memorável que se torna o próprio prêmio.
Do outro lado, a gamificação pode ser a espinha dorsal de uma estratégia mais longa, saindo dos eventos e entrando na vida do consumidor ou do cliente B2B. A abordagem, para Alessandro Moreira, tem um potencial enorme, e o exemplo que ele oferece do cartão de crédito The One, do Itaú, ilustra bem essa ideia: “o cliente cumpre etapas que funcionam como fases até chegar no chefão final de um jogo“.
A Adobe, em Cannes 2025, seguiu um caminho semelhante ao apontado por ele, ao usar uma “chave dourada” para desbloquear uma experiência secreta de personalização de brindes com base em um quiz.
Para o gerente, esse exemplo mostra que “quando bem aplicada, com propósito, progressão e recompensa, a gamificação pode sim ser usada em praticamente qualquer cenário.“
Ambos os profissionais concordam, no entanto, que uma estratégia de gamificação não funciona sem um propósito, já que é ele quem vai direcionar a sua estratégia: mesmo as ativações mais simples precisam de um motivo para acontecer — inclusive, Leandro Mendonça, diretor da Ambev, chegou a comentar algo parecido em sua participação no podcast Na Escuta? do Promoview. “É bonito falar de propósito quando tá todo mundo olhando. Quero ver segurar o discurso quando ninguém tá batendo palma”, ele comentou.
A premissa tem fundamento científico: um levantamento da Forrester (via Investopedia) afirma que 52% dos consumidores tendem a se alinhar a marcas com as quais compartilham os mesmos valores e, paralelamente, uma análise da Bain & Company revelou que 70% dos consumidores topam pagar mais por produtos e soluções relacionadas a causas nas quais eles encontrem reflexo. Neste último caso, 7% das marcas que trabalham a ideia de um propósito por trás de suas ações chegam a mais de € 50 milhões em faturamento.
A grosso modo, a conclusão é a de que uma ação gamificada não precisa seguir as premissas mais literais de videogame, nem tampouco ela precisa ser digital. Havendo propósito, há direcionamento estratégico. E com estratégia, há veiculação de mensagem de uma forma atraente.
O desafio para profissionais criativos é justamente parar de ver a gamificação como uma “ferramenta” isolada e começar a tratá-la como um método de envolvimento, seja para capturar a atenção em cinco minutos, ou para construir uma relação duradoura.