Martin Henkel

Além da tela: Desenhando experiências conectadas e inclusivas para o consumidor 60+ no Brasil

Com o avanço digital da população 60+, marcas precisam ir além das telas e criar experiências conectadas, acessíveis e inclusivas

Imagem ilustrativa de uma pessoa com smartphone sentada no sofá
Imagem ilustrativa de uma pessoa com smartphone sentada no sofá. Crédito: Kampus Production / Pexels

Longe dos estereótipos ultrapassados, o público 60+ está cada vez mais digitalizado, exigente e disposto a investir em soluções que realmente facilitem sua vida. Neste cenário, marcas que ainda tratam a inclusão digital como um “favor” estão ficando para trás. É hora de entender: o consumidor maduro não quer adaptações paliativas, ele quer interfaces pensadas para sua realidade, experiências acessíveis e respeito à sua autonomia. O mito da vovó “desconectada” ficou no passado. E com ele, a chance de ignorar uma das forças mais influentes do mercado brasileiro atual.

O mito da vovó digitalmente avessa

Vamos ser francos, o Brasil está envelhecendo. E rápido. Esqueçam a imagem da vovó que não sabe ligar o computador; essa figura, se é que um dia foi majoritária, hoje é uma relíquia do passado. O consumidor 60+ brasileiro, um grupo que já representa uma fatia considerável e crescente do poder de compra, está plugado. Eles não estão apenas “acessando”; eles estão se apropriando das redes, dos aplicativos, dos e-commerces. Os dados não mentem: a penetração da internet entre os brasileiros com mais de 60 anos cresceu exponencialmente nos últimos anos, impulsionada pela necessidade de se conectar com a família, acessar serviços essenciais (bancos, saúde, transporte) e, claro, pela busca por autonomia e entretenimento.

Essa mudança não é meramente demográfica; é uma revolução de comportamento. O que antes era uma “gentileza” em adaptar algo para o público sênior, hoje é uma necessidade estratégica de mercado. Ignorar esse grupo é perder uma fatia de bolo que, além de gorda, tem um apetite voraz por soluções que realmente funcionem. Eles querem, precisam e estão dispostos a pagar por experiências digitais que lhes facilitem a vida, e não que as compliquem. E é aqui que o live marketing, com sua essência de criar conexões genuínas e experiências imersivas, tem um papel absolutamente central, quase um dever, para guiar as marcas nesse novo território.

Por que a simplicidade se tornou a moeda de ouro da conectividade

Se o público 60+ está online, por que ainda vemos tanta frustração, tanto abandono de carrinhos digitais, tantos telefonemas para o SAC por “coisas simples”? A resposta está no que chamo de “Dragão Oculto das Interfaces”. Não é a tecnologia em si que assusta, mas a forma como ela é apresentada.

A interface – e aqui precisamos expandir o conceito para muito além da tela do seu smartphone – é o portal, a ponte entre o consumidor e o serviço ou produto. E, para muitos de nossos 60+, essa ponte está cheia de buracos, sinalizações confusas e degraus escorregadios.

Pense comigo: um aplicativo de banco que exige múltiplos toques em botões minúsculos; um site de e-commerce com fontes ilegíveis e contrastes pobres; um totem de autoatendimento que não responde ao toque com a firmeza necessária; um assistente de voz que não compreende um sotaque ou uma pronúncia menos “padrão”; até mesmo a interface complexa de um novo eletrodoméstico inteligente. Todas essas são barreiras invisíveis para quem já tem a visão um pouco mais embaçada, a audição menos aguçada, a destreza dos dedos não tão precisa ou uma capacidade de processamento de informações que prefere a linearidade à miríade de opções.

O problema é multifacetado e toca em aspectos cruciais de ergonomia cognitiva e sensorial. É a tipografia inadequada que faz o texto dançar na tela, o contraste inadequado que mistura fundo e primeiro plano, o excesso de informações que sobrecarrega a memória de trabalho, os ícones que não representam nada reconhecível para essa geração. É a linguagem excessivamente técnica, o jargão da “geração Z” que não faz sentido, os fluxos de navegação que parecem um labirinto sem saída.

No Brasil, vemos isso replicado em inúmeras plataformas. Quantos idosos precisam da ajuda dos netos para fazer uma compra online, para agendar uma consulta médica ou até para usar um aplicativo de transporte? Isso não é autonomia, é dependência. E a consequência é clara: frustração, abandono, exclusão digital e, o mais grave, a vulnerabilidade a golpes, pois a confusão na navegação pode levar a cliques errados e a informações comprometidas. Desconsiderar a interface é desconsiderar a dignidade e a segurança do consumidor 60+ e a fluidez que a marca precisa ter no relacionamento com este consumidor.

Se o problema está nas interfaces, a solução reside na UI60+ que ganha uma atenção cada vez mais especial nas minhas consultorias e na compreensão aprofundada da jornada do usuário 60+. Isso não é um “favor” ou uma “adaptação para pessoas mais velhas”; é um imperativo de negócio e uma forma inteligente de inovar. É aplicar os princípios do Aging in Market, desenvolvido e aperfeiçoado desde 2016 na SeniorLab – que beneficia a todos, não apenas um grupo específico – com um olhar atento às particularidades do envelhecimento. Enquanto este conhecimento não flui naturalmente de dentro das companhias e seus departamentos, as marcas estarão vulneráveis.

Precisamos de simplicidade e clareza: menos é sempre mais. Linguagem direta, objetiva, sem jargões. Precisamos de feedback constante e claro: quando algo acontece na tela, o usuário precisa saber o que é, o que significa e qual o próximo passo. A consistência é vital: elementos de navegação que se repetem, que são previsíveis, criam familiaridade e segurança. E a flexibilidade e customização: opções para aumentar o tamanho da fonte, ajustar o contraste, controlar a velocidade de fala de um assistente de voz. Permitir que o usuário adapte a interface às suas necessidades é empoderamento.

Além disso, a tolerância a erros é fundamental; a capacidade de “desfazer” uma ação ou de corrigir um equívoco sem pânico. E, claro, a acessibilidade em sua essência: compatibilidade com leitores de tela, teclados adaptados, reconhecimento de voz para quem tem dificuldades motoras.

Mas não basta criar. É preciso testar, testar e testar novamente, e, crucialmente, testar com o usuário 60+. A pesquisa de usabilidade com esse público não é opcional; é a bússola que nos guiará para as melhores soluções. E mais: o envolvimento e a co-criação. Chame os 60+ para a mesa de design! Eles são a voz da experiência, a fonte de insights valiosos que nenhum grupo de jovens designers, por mais bem-intencionado que seja, conseguirá replicar.

Há no mercado internacional e, timidamente, no Brasil, exemplos de empresas que estão acertando. São aquelas que entendem que a tecnologia, para ser verdadeiramente inclusiva, precisa ir além da tela e abraçar interfaces multimodais: a voz como uma poderosa aliada para simplificar interações complexas; gestos e movimentos para quem prefere a fisicalidade; e até mesmo a realidade aumentada para descomplicar instruções e oferecer suporte visual interativo. O futuro das interfaces para o 60+ passa por uma sinfonia de sentidos, não apenas pela visão fixa na tela.

O Live Marketing como o maestro da conexão

Aqui é onde a magia acontece. Somos os arquitetos de experiências, os conectores entre marcas e pessoas. E é exatamente essa nossa essência que nos posiciona de forma única para atuar como o maestro na orquestração de experiências digitais e físicas que sejam verdadeiramente inclusivas para o consumidor 60+. Não se trata apenas de criar uma campanha publicitária; é sobre facilitar o uso, desmistificar a tecnologia e construir pontes de confiança.

Pense nas possibilidades: ativações e eventos presenciais que não apenas promovem um produto, mas ensinam a usá-lo. As “Tecno-Clínicas” ou workshops práticos onde os 60+ podem aprender, sem vergonha ou pressa, a usar aplicativos, a navegar em sites, a configurar seus dispositivos. Imagine stands interativos e demonstrativos em shoppings ou eventos que não se contentam em expor, mas que convidam ao toque, à exploração da interface, com atendentes treinados para a paciência e a didática. Que tal ações de “conexão de geração”, onde jovens voluntários ou colaboradores da marca ensinam seus avós (e vice-versa), criando um ambiente de troca e quebrando o tabu da dificuldade tecnológica? Isso é live marketing em sua essência: experiência, interação e valor agregado.

Além do físico, o marketing de conteúdo tem um papel vital. Tutoriais em vídeo que são claros, com ritmo adequado, sem cortes rápidos e com legendas acessíveis. Manuais online simplificados, FAQs que respondem às dúvidas reais sobre interfaces, não apenas às técnicas. Conteúdo que desmistifica a tecnologia, focando nos benefícios práticos e na facilidade de uso, e não nos jargões. E não nos esqueçamos da interface humana: em um mundo cada vez mais digital, o atendente bem treinado, empático e capaz de guiar o 60+ no uso das interfaces digitais, seja por telefone, videochamada ou presencialmente, é um diferencial competitivo esmagador.

O live marketing pode treinar essas equipes, criando uma cultura de serviço que entende e respeita o tempo e o ritmo desse público. Parcerias estratégicas com universidades da terceira idade, associações de idosos e até startups focadas em silver tech podem amplificar nosso alcance e nossa relevância.

O futuro do mercado de consumo 60+ a médio e longo prazo no Brasil é digital, mas a qualidade dessa experiência digital dependerá diretamente da nossa capacidade de olhar para as interfaces não como um mero detalhe técnico, mas como o coração da interação. Não é apenas sobre ter acesso, mas sobre ter um acesso digno, autônomo e seguro. Marcas que investirem em interfaces intuitivas, acessíveis e que de fato considerem as particularidades do envelhecimento, não estarão apenas ganhando um novo cliente; estarão construindo um legado de respeito e inclusão.

O live marketing, com sua vocação para criar experiências memoráveis, tem a chance de liderar essa transformação. É hora de desconstruir preconceitos, abraçar a complexidade do envelhecimento e transformar a tecnologia em uma aliada poderosa na jornada de vida do consumidor 60+. Porque no final das contas, não estamos apenas desenhando telas; estamos desenhando um futuro mais conectado e feliz para uma geração que tem muito a ensinar e a consumir. É um desafio, sim, mas acima de tudo, é uma oportunidade de ouro.

Martin Henkel
Martin Henkel

Marketing 60+

Martin Henkel é CEO da SeniorLab, Professor de marketing 60+ na FGV, sócio do Terra da Longevidade Produtos, criador e coautor dos livros 'A Trilha da Longevidade Brasileira' e ' SHOPPER60+'

Martin Henkel é CEO da SeniorLab, Professor de marketing 60+ na FGV, sócio do Terra da Longevidade Produtos, criador e coautor dos livros 'A Trilha da Longevidade Brasileira' e ' SHOPPER60+'