Luiz Fernando Coelho

Você, hoje, se arriscaria a praticar a escrita criativa, sem usar a IA?

Pessoa escrevendo no notebook

A inteligência artificial chegou com força total nas páginas, nos blocos de notas e nos brainstormings. Junto, trouxe profecias apocalípticas — “A máquina vai roubar a alma do escritor!” — ou otimismo ingênuo — “Agora, qualquer um pode criar masterpieces ao toque de um botão!”. Debater este tema apenas levando em consideração somente os extremos, pode trazer inúmeros problemas, principalmente se estivermos olhando para a direção errada.

A proposta aqui é mergulhar nestas zonas mais cinzentas, onde a IA não é nem vilã nem salvadora, mas uma ferramenta poderosa — e, por vezes, desconfortável — para encarar o processo criativo. E, acima de tudo, para enxergarmos a nós mesmos em tudo aquilo que é proposto, sugerido ou até mesmo rejeitado pelos algoritmos.

Menos glamour, mais substância

A IA não compõe por conta própria, não tem angústias, tampouco saudade. Nenhum sentimento, apenas uma caixa de ressonância. Ela processa padrões, aprende com repositórios gigantes de textos e oferece caminhos probabilísticos. Não é genialidade artificial — é trabalho árduo de mineração de dados. E disso pode sair tanto ouro quanto pedra. O resultado quase nunca é um quadro pronto, mas um mosaico de possibilidades.

Experimentar a IA na escrita criativa é, muitas vezes, encarar o banal: frases sem alma, repetições, sugestões que beiram o clichê. Ainda assim, é no atrito com essas limitações que surgem novas perguntas e ângulos inexplorados. Mais do que ajudar a criar, a IA pode nos ajudar a ver as próprias armadilhas do nosso repertório, os atalhos mentais que tomamos sem perceber. Por isso o que a IA nos oferece em termos de escrita criativa, é uma base, que podemos usar ou não, no desenvolvimento de nossa escrita, desde que tenhamos consciência de que, do prompt inicial até o resultado, a parte criativa é a sua parte.

IA como espelho e mentor inquieto

Imagine fazer um exercício: alimentar uma IA com textos próprios e observar o que ela sugere em retorno. O espelho que se forma, em geral, revela tanto quanto esconde. Ali vemos nossas obsessões temáticas, nossos vícios de linguagem. A máquina é implacável: não se encanta, não mascara, apenas devolve versões dos caminhos já trilhados.

Mas, entre sugestões protocolares e frases automáticas, às vezes surge a centelha do inesperado. E é aí que mora o desafio verdadeiro: o que faço com isso? Rejeito o estranho, agarro-me ao velho seguro ou permito-me experimentar o novo? A criatividade, nesse ponto, ganha outro significado: deixar-se surpreender e saber usar o que a máquina não previa.

Nem tudo é ouro. Mas nem tudo é pedra

Cobiçamos “insights geniais” gerados por IA e logo nos frustramos diante da quantidade de material descartável. Paradoxalmente, é desse ruído criativo que podem surgir rupturas. O erro, o desvio, ou até mesmo aquele “nada a ver” podem alimentar sua imaginação ou mesmo ser o ponto de partida para a sua escrita criativa. A IA, nesse papel, é quase como o colega de brainstorming que fala sem filtro — irrita, mas estimula.

Cabe a nós, escritores, perceber os limites desse encontro e extrair beleza inclusive do que é estranho ou inacabado, pois muitas vezes é justo daí que surgem as vozes autênticas.

O criador como filtro e autoridade

A IA pode sugerir, apoiar, remixar. Mas a decisão final, o ajuste fino, a coerência, pertencem a você. É nossa curadoria que transforma o bruto em lapidação autoral. Aqui mora também a responsabilidade: entender os limites éticos do processo, valorizar a transparência sobre o papel da máquina e assumir os riscos do novo.

Aprender a operar a IA não é apenas dominar um software — é exercitar nossa mente, nosso olhar crítico, refinando o próprio processo criativo e recusando tanto o tecnofetichismo quanto o retro futurismo paralisante.

Para refletir

  • O que você descobre sobre si ao dividir sua escrita com uma inteligência artificial?
  • Conseguiria distinguir, sem medo, onde termina a sua autoria e começa a intervenção do algoritmo?
  • Quais erros — seus ou da IA — já serviram como catalisadores de novas ideias?
  • O uso da IA está expandindo ou achatando o seu repertório criativo?
  • Como garantir autenticidade numa maré crescente de sugestões automáticas?
  • Qual responsabilidade ética você acredita que deve assumir ao publicar algo co-criado com IA?

O futuro da escrita já não é mais só papel e tinta. As linhas agora se desenham também em códigos, e cabe a cada um reconhecer-se nesse novo processo. Nem tudo é ouro, nem tudo é pedra — mas talvez, justamente nesse caminho, nessas descobertas que fazemos ao longo do caminho, é que esteja a riqueza de se envolver no processo de escrever criativamente.

Luiz Fernando Coelho
Luiz Fernando Coelho

Análises e bastidores do marketing esportivo com Luiz Fernando Coelho, especialista com mais de 40 anos de experiência. Primeiro colunista do Promoview, Luiz escreve há oito anos no portal, com o detalhismo de um verdadeiro contador de histórias e a precisão de um veterano do mercado.

Análises e bastidores do marketing esportivo com Luiz Fernando Coelho, especialista com mais de 40 anos de experiência. Primeiro colunista do Promoview, Luiz escreve há oito anos no portal, com o detalhismo de um verdadeiro contador de histórias e a precisão de um veterano do mercado.