Conteúdo Especial

Férias

Tirar férias é uma das coisas mais bacanas que existem.


Janeiro de 1992

Introdução

Tirar férias é uma das coisas mais bacanas que existem. Sair com a família, viajar… Nada de horários ou compromissos, ser dono do seu tempo.

Uma viagem aos EUA incluindo Disney, um cruzeiro no Caribe e uma passagem por Nova York para ver os musicais. Era o que podia haver de melhor naquele momento. Para aumentar nosso entusiasmo, um casal amigo topou ir junto. Eles tinham dois filhos mais ou menos da idade dos nossos. Criança é a melhor companhia para criança. Beleza. 

Parte 1 – O planejamento

Tínhamos o destino, agora precisávamos somente comprar as passagens e os vouchers de hospedagem. Chamei uma amiga, agente de viagem, para nos ajudar. Teríamos descontos, inclusive. Nos reunimos em minha casa e, na hora marcada, apareceu o casal com as duas crianças. Junto com eles vieram outro casal e mais duas crianças. Na hora que entraram, fui apresentado: 

– Oi! Este aqui é Fulano, esta é sua esposa e estes são seus dois filhos. São nossos amigos e vão conosco.

Pensei comigo: como assim, conosco? Eu detesto viajar com quem não conheço. Mas tudo sempre pode piorar. Para completar o grupo, duas senhoras se juntariam a nós: uma sogra e uma tia. Pela minha conta, seriamos 14 pessoas. Virou excursão.

O amigo do meu amigo se ofereceu para ir puxando nosso comboio de três veículos. Ele conhecia bem a região e detinha um enorme senso de direção, além de se virar com o inglês.

Parte 2 – On the road

Havíamos combinado sair de Miami pela Florida’s Turnpike e ir direto para o hotel, em Orlando. Parecia simples sair da locadora e pegar a famosa autoestrada. Além disso, o amigo do amigo manjava tudo. De repente, ouvi a frase da qual morro de medo: “Deixa comigo!”

Naquela época, o GPS era o cara que se sentava ao lado do motorista, munido de um enorme papel colorido, que normalmente não fazia sentido nenhum para esse ser. Mas nosso “guia” era safo.

Antes de sair da locadora, por precaução, me informei. Recebi uma instrução singela, mas valiosa: 

– O senhor sai aqui à direita e vai seguindo as placas na direção SOUTH, que o senhor vai chegar à Turnpike.

Ótimo. Compartilhei a dica. Saímos da locadora, os três carros em fila, e viramos para o lado oposto ao indicado, claro. Achei estranho, mas ele conhece e eu, não. Depois de alguns minutos, nosso destemido conhecedor com senso de direção havia entrado na direção errada umas dez vezes. Depois de rodarmos por mais de meia hora achamos uma placa que pelo menos fazia algum sentido: TURNPIKE NORTH. Era simplesmente o lado contrário do que precisávamos ir. Mas tudo bem, estávamos finalmente na estrada, era só achar um retorno, e achamos. Mas a placa, além de indicar a direção SOUTH, indicava pelo menos mais cinco direções diferentes. Seta ligada, lá fomos nós.

Eu, no meu carro, já estava gritando e gesticulando: “Não é ai! Não é ai! É pro outro lado!” Passamos três vezes pela mesma cabine de pedágio. O sujeito não conseguia acertar a via correta. Na terceira, o cara da cobrança olhou para mim e perguntou: 

Is everything ok, sir? Do you need some help?

Não preciso dizer que a viagem, que era para durar quatro horas, durou mais de seis. E, quando fomos para o Porto de Miami, para a segunda parte da excursão, já saímos atrasados de Orlando. Só conseguimos embarcar no navio pouco tempo antes dele zarpar. A boa notícia: nosso guia estava aposentado. Se algum de nós se perdesse no navio, levaria pouco tempo para encontrar o caminho correto.

Parte 3 – A bolsinha da vovó

Naturalmente, a viagem de navio foi uma peripécia. Cada vez que íamos parar em um porto, havia uma reunião de briefing dos passeios que eram oferecidos em terra. Paramos em Cozumel, Ilhas Cayman e Jamaica. Em todas essas reuniões, falava-se inglês. Na primeira fui eu e os outros que falavam a língua. Nos primeiros cinco minutos metade se mandava e lá pelo oitavo minuto eu ouvia algo assim dos meus companheiros: “Preciso ir ao banheiro” ou “Esqueci a câmera na cabine”. Sobrou. Depois, havia uma resenha com todos. A ideia era escolher qual das opções, com várias discussões e sem muitas soluções. Assim, vovó e titia ficavam no barco e cada um ia para um lugar. Dias depois, ancoramos de volta em Miami.

Para o aeroporto ia ser mole. Havia um transfer direto, sem placas para seguir. Chegamos ao aeroporto com cinco horas de antecedência. Check-in feito, malas despachadas, fomos procurar um lugar para fazer um lanche. No trajeto, fui apresentado à “bolsinha da vovó”. A sogra do amigo do amigo dispunha de varias bolsinhas, uma dentro da outra. E por cada lojinha de bugigangas que passávamos, ela enchia uma das bolsinhas. Era impressionante a capacidade que ela tinha de achar e adquirir coisas inúteis.

Comemos e até cochilei um pouco, sentado na sala de espera. Com uma hora e meia de antecedência, avisei à turma: 

– Vamos para o portão de embarque. Este aeroporto é grande e não vamos correr riscos. 

Até porque vovó já havia distribuído bolsinhas para todos carregarem. Acho que a velha comprou de tudo no Miami International Airport.

Quando vi o portão designado achei uma sorte tremenda, pois era daqueles em que andaríamos muito pouco. Vamos ao embarque. Passamos pelo controle de segurança, com todas as bolsinhas da vovó. E agora tínhamos que tomar um trenzinho e pronto, estaríamos no portão. Passamos, tudo certo, todas as bolsinhas também.

Nos agrupamos todos na estação, na frente, para pegar o primeiro vagão juntos. Chegou o trem, portas abertas, entramos. Estava cheio, mas chegamos, com todas as bolsinhas. Vamos conferir. Saltamos, tudo certo, vamos para o nosso portão. Foi então que uma pergunta ruim foi feita e alguém anunciou: 

– Estão faltando duas bolsinhas!

E cadê a vovó? E a titia? Olhamos uns pros outros e ??? Não havia bolsinhas, titia ou vovó. Onde estariam as duas? Tínhamos que achá-las, principalmente porque não estavam com nenhum documento. Juntei todo mundo e implorei:

– Pelo amor de Deus, fiquem aqui. Não vale nem ir no banheiro.

Voltei correndo para onde desembarcamos do trem. Peguei um de volta e cheguei aonde embarcamos. Olhei para um lado, pro outro, até que achei as duas de mãos dadas, com cara de esqueceram de mim, morrendo de medo.

Peguei as duas e perguntei:

– Por que não entraram no trem? 

– Meu filho, nós até entramos, mas reparamos que não tinha motorista, aí ficamos com medo e saímos. E a porta fechou – disse-me a vovó com a concordância da titia.

– Ok, ok. Vamos embora que está quase na hora. Os outros estão esperando.

Chegou um novo trem e embarcamos. Na verdade, empurrei as duas para dentro.  Quando o trem abriu a porta e saltamos, estávamos do lado oposto de onde os outros estavam. “Mas que droga”, pensei. Fui me informar. Era simples, bastava voltar, pegar outro e pronto. Lá fui eu com minhas companheiras e as inseparáveis bolsinhas.

Finalmente, com o grupo novamente reunido, chegamos ao portão. Estava escrito: “Flight to NY. Estimated gate: E15.” Era aquele em que estávamos, mas achei estranho não terem iniciado o embarque. Fui perguntar no balcão e a resposta foi aterradora: 

I’m sorry, sir, but this flight has changed to gate D22.

Isso significava que tínhamos que voltar tudo pra trás. Correndo. Pegar o trenzinho e correr para o D22, em 15 minutos. Com dez bolsinhas, vovó e titia, que resmungavam “Eles esperam, eles esperam.”  

Conseguimos uma proeza. Chegamos ao aeroporto com cinco horas de antecedência, tivemos que correr feito uns doidos, pedir pelo amor do Céu que nos deixassem embarcar e conseguimos! Afinal, era uma viagem planejada.

Parte 4 – O desafio final

No primeiro dia em Nova York, marcamos às 10 horas da manhã no lobby do Roosevelt Hotel. Somente às 11 horas estávamos todos. Vovó já tinha chegado e enchido uma bolsinha na loja do hotel e outra na loja de conveniência ao lado, onde comprou mais bolsinhas.

Todos a postos, mas, antes de sair, um pequeno aviso.  Eu adoro Nova York, e logo decretei minha independência: 

– A partir de amanhã, não espero mais ninguém. Vou sair todos os dias às 10 horas. Quem quiser me acompanhar, ótimo. Quem não quiser, ótimo também. Nos vemos no dia do embarque de volta. E bom passeio!

Todos resmungaram muito, mas era eu ou eles. Eu ia aproveitar Nova York, eu e minha família, e ponto.

Foram dias ótimos. Assistimos a três musicais, comemos em vários lugares diferentes, visitamos os museus, passeamos muito. Mas um pensamento me atormentava. Como vai ser a ida para o aeroporto, no dia do regresso? Quatro táxis? Sim, quatro, não podia me esquecer da vovó e da titia, mais as malas e as malditas bolsinhas.

Tive um sonho ruim. Mesmo acordado, me vi no JFK sendo perseguido por quinze bolsinhas e a vovó gritando: “Faltam duas!!! Faltam duas!!!

Retomada minha concentração, fiz um cálculo de cabeça: somos 14. Isso significa que, se cada um tinha direito a dois volumes, a conta era simples: 28 volumes. E imaginei os quatorze com 28 malas e uma mala de mão por passageiro. Ledo engano. Brasileiro tem mala de mão, de pescoço, mochila e mais aquelas compras que não poderiam ser despachadas. Matutei muito na tentativa de construir uma solução que não fosse cara, mas que nos levasse em segurança para o aeroporto.

(Aqui, querido leitor, um lembrete: esta minha aventura aconteceu numa época em ainda não havia smartphones, nem Wi-Fi, nem Google.) Nos filmes, quando os mocinhos ou mocinhas precisavam de alguma coisa muito rápido, passavam numa cabine telefônica e, ao fazer a consulta ao catálogo, rapidamente, como num passe de mágica, tudo se resolvia. Então lá fui eu em busca de um catálogo. 

Depois de muito custo, achei. Folheei do início ao fim, sem encontrar nenhuma solução. Vans de todos os tipos e tamanhos, mas fiquei inseguro em dividir o grupo. Não haveria hipótese de nos encontrarmos mais. Até que, na rua, vi um micro-ônibus. Anotei o telefone e liguei. Era uma espécie de lotação americana. Aquilo estava ótimo, ia funcionar. Compartilhei o achado com meus colegas de viagem e ficou tudo resolvido, com a vantagem de ser mais barata a divisão da conta do lotação do que o táxi.

Mas nunca devemos subestimar os nossos viajantes. Como bem define a palavra, sempre existem os eventuais. E eles começaram antes do dia marcado.

Epílogo – Chicken Pox

Dois dias antes da volta, me chama um dos nossos: 

– Me encontra no lobby do hotel. 

Fiquei assustado, pois a voz dele não estava boa. No lobby ele me diz:

– Minha filha está com catapora.

Naquele momento só tive um pensamento: “Vamos ficar de quarentena aqui por conta dessa pequena.”  Não pensei na criança, nem em quão grave poderia ser a doença. Só pensei em como seriam os próximos dias nos EUA, de quarentena, com aquele grupo.

E a pergunta não saía da minha cabeça: “Mas como esta menina pegou esta doença aqui?” Até pensamentos maldosos me vieram à mente, do tipo, “Será que a vovó comprou um vírus por engano?”

Finalmente chegou o dia. Nunca desejei tanto voltar. E estava temeroso do que me aguardava no JFK. Na hora marcada, o micro-ônibus chegou. E o motorista? Ah, sim, parecia um personagem de Alice no País das Maravilhas. Era um coreano baixinho, com chapéu e tudo. E, claro, era proibido parar na rua do hotel, e ele ficou na rua ao lado.

E lá fomos nós: 28 malões, 14 bolsas de mão, 8 mochilas, as bolsinhas da vovó e uma criança com catapora. E que Deus nos ajude!

Chegamos ao aeroporto e logo um monte de carregadores apareceu. Ótimo, eles cuidaram de tudo. Alguns dólares se foram, é verdade, mas é a vida. Despachamos as bagagens e nos aprontamos para passar pela segurança e a imigração. Graças aos Céus, vovó não tinha mais bolsinhas. Para minha sorte, era um voo cheio de brasileiros que pareciam ter feito o mesmo percurso que nós. Na sala da imigração, um monte de Minnies, Baleias, Patetas e Plutos, daqueles que precisam de uma poltrona só para eles.

Rapidamente me posicionei com a criança com catapora no colo, dormindo, uma bênção. Passamos entre uma foca gigante e um pato tamanho Jurassic Park, uma confusão enorme, ninguém se entendendo. Resultado: nem olharam para a cara da criança. Os americanos pareciam querer se livrar daquela turba de sacoleiros o mais depressa possível. 

Quando entramos no avião, até as aeromoças sumiram. Havia gente querendo trocar de lugar, sem saber onde era seu assento. Um verdadeiro zoológico de bonecos de pelúcia. E, claro, nenhum lugar para a bagagem de mão. 

Por incrível que pareça, talvez essa tenha sido a melhor das noites da minha viagem. Dormi o tempo todo. Estava feliz. Acabaram-se as férias!!!