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Depois do carnaval....

Será que há pessoas passando por essa “ressaca” estendida e você nem percebeu?

Dizem que o Brasil só entra no eixo depois do Carnaval. É como se tudo ficasse represado para acontecer depois do meio-dia, na Quarta-feira de Cinzas. No entanto, o bonde este ano está acelerado. 

Desde outubro de 2022, as demandas foram incrementadas em uma velocidade inesperada: foram dois anos em menos de seis meses, quase um tsunami de eventos e de conteúdos dos mais variados. Vou me ater a alguns aspectos, principalmente no recorte que eu vivencio enquanto mulher preta atuando no corporativo como conectora com a periferia e grupos minorizados. 

“I can’t breathe”¹. As periferias e os grupos minorizados estão sufocando! Os portais de vaquinhas bateram recordes em campanhas, as taxas de serviços por causa da alta procura subiram! Várias pessoas foram demitidas durante a pandemia, com destaque para as mulheres pretas e em cargos de liderança. Muitas delas precisaram criar ações como vender itens, fazer shows online, enfim, se reinventaram para receber de pessoas das suas redes e de novas pessoas seguidoras. Agiram para captar algum valor para sobreviver ao isolamento social – que lhes impediu por um bom tempo de sair em busca das vagas temporárias e subempregos nos quais se mantinham. Mesmo com a volta do presencial, as portas para contratar ainda se mantêm fechadas. 

Houve gestão das verbas para as campanhas eleitoreiras e nenhuma ação efetiva para levar remédios, alimentos ou qualquer tipo de suporte às regiões mais que mais precisavam. Muitos grupos só superaram porque construíram redes de apoio. E, para falar com base em dados sobre ações efetivas, conexões e impactos, resgato, do site da Fundação Telefônica Vivo, um estudo intitulado Juventudes e Conexões², que em sua Ed. 3 trouxe informações muito relevantes sobre o comportamento dos jovens – que formam um dos grupos mais atingidos pelo isolamento social – e como se reflete em sua navegação e interação na internet.  

E o que isso tem a ver com o “depois do Carnaval”? Consegue se imaginar em um consultório médico, sofrendo com crises de ansiedade, medo e diversos sintomas que te impedem de viver? 

¹ “Eu não consigo respirar”, tradução livre do inglês. 

² Juventudes e Conexões | Ed.3 – Site Telefônica Vivo – Disponível em: <https://bit.ly/3ZzW4Z2> 

³ ICTQ – Cresce mais de 20% o consumo de antidepressivos no Brasil – Disponível em: <https://ictq.com.br/farmacia-clinica/1105-cresce-mais-de-20-o-consumo-de-antidepressivos-no-brasil

O número de pessoas ao redor do mundo sofrendo de síndromes que as leva para confinamento, subjugação medicamentosa e até mesmo suicídio, aumenta mês a mês. Dados do Relatório Mundial sobre Drogas 2022 do UNODC mostram que cerca de 284 milhões de pessoas – na faixa etária entre 15 e 64 anos – usaram drogas em 2020, 26% a mais do que dez anos antes. “Os jovens estão usando mais drogas, com níveis de uso em muitos países superiores aos da geração anterior”. Isso sem considerar drogas lícitas, como fumo e bebidas alcoólicas. A Organização Mundial da Saúde³ (OMS) apresentou um estudo em que o número de pessoas com depressão no mundo aumentou em mais de 18,4% nos últimos 10 anos. Estima-se que sejam mais de 322 milhões de pacientes depressivos, cerca de 4,4% da população do planeta1. 

O levantamento ainda mostra que o Brasil é o país da América Latina com mais pessoas ansiosas e estressadas. Cerca de 5,8% dos brasileiros estão com depressão e 9,3% com ansiedade.” 

O contexto da ressaca após as festas muitas vezes é a pior fase do ano. Muitas pessoas inclusive têm dificuldades em retomar o ritmo e sofrem muito com essa aceleração súbita das exigências.  

Uma médica, conforme o portal do Razões para Acreditar2, fez um diagnóstico e receitou um tratamento de pertencimento para seu jovem paciente em vez de remédios. Passou uma lista de pessoas inspiradoras para ele conhecer e olhar para si sem tantas cobranças, muito mais para se observar e ver que há, sim, uma jornada e que podemos realizá-la. Um mês depois, ele voltou feliz e animado por continuar a se descobrir, apto a buscar mais inspirações, e avisou que tinha compartilhado com pessoas amigas. A rede se fortaleceu para ajudar a lidar com dores reais.  

E, no seu escritório ou na sua família, como andam as redes de suporte e pertencimento? Será que há pessoas passando por essa “ressaca” estendida e você nem percebeu? Ou alguém que está sofrendo com crises e mal-estar, disfarçando apesar da exaustão, por medo ou falta de pertencimento, empatia e/ou insegurança? 

A vida acelerou e, após a pandemia, precisamos olhar mais para nós e para quem está à nossa volta porque as pessoas estão encurraladas. Aqui, cabe observar como estamos construindo esse ambiente. Há um conceito de Nietzsche chamado “moral de rebanho”. Ele explica que a pessoa mais forte é, por fim, colocada em risco pela mais fraca e que, por isso, o rebanho enquanto grupo se torna fraco, pois o nivelamento é feito por baixo. Ou seja, “a corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco”. Muitas pessoas gestoras usam esse conceito para demitir o elo mais fraco, gerar competição, usar o conceito da meritocracia para manter as equipes no mais alto nível de performance. 

São essas mesmas empresas que têm em seus quadros burnouts e outras síndromes guardadas nos armários, e que geralmente reverberam em pessoas executivas sem vida familiar, em busca de um nível de entregas quase desumano. Um bom exemplo é o filme “O Diabo veste Prada”, em que são personificadas as chefias desumanas, que ignoram tudo e todos pelo objetivo da empresa, mesmo que isso lhes custe muitas vezes o melhor das relações humanas: as conexões de valor. 

A fantasia, que no Carnaval convida à brincadeira, as ações despreocupadas e a ignorância do relógio e das cobranças, sempre são seguidas pela Quarta-Feira de Cinzas, quando cada pessoa precisa se olhar no espelho e algumas, que realmente desfrutam da vida com boas conexões, estarão prontas para um ano repleto de promessas e possibilidades. Quem ainda não se encontrou volta à vida com ainda mais desânimo e desequilíbrio. 

Então, desta vez, sugiro fazer o exercício do pescoço com as pessoas com as quais você convive. Use um olhar gentil para si, para seus colegas e para quem estiver em contato. Caso perceba dores, sofrimentos, ira ou até mesmo apatia, aproxime-se e sorria com acolhimento, para que a pessoa saiba que é vista. Nem sempre trocar palavras é necessário. Apenas saber-se vista faz toda a diferença e, agora sem a fantasia para se esconder, talvez essa pessoa só precise de respeito e um bom abraço. 

Reforço que a receita da médica funciona: aproveite e procure filmes, livros, podcasts, canais no YouTube, TikTok e Instagram que sejam inspiradores. Ajude-se e compartilhe com outras pessoas, semeie as boas indicações para criar ambientes mais seguros e representativos. Afinal, o ano começa depois do Carnaval, então #borafazerdiferente!