Sou Head de Novos Negócios e vivo o dia a dia das concorrências. Este ano, participei
de processos que duraram meses, mobilizaram centenas de profissionais e foram
simplesmente cancelados. Sem explicação. Sem feedback. Sem respeito — e isso não é um caso isolado.
Segundo a ABAP, 64% das concorrências no Brasil não apresentam critérios claros de avaliação. É hora de falarmos sobre o elefante na sala: o modelo atual de concorrências está nos levando para um caminho predatório que contradiz tudo o que pregamos sobre ESG e sustentabilidade.
O problema: quando a concorrência vira predação
Parte do meu trabalho envolve estar atento às concorrências: saber quando vão
acontecer, avaliar se fazem sentido para a agência, decidir se vale ou não entrar no jogo.
É a partir desse lugar — prático, estratégico e vivido — que compartilho algo que venho
observando com frequência: o modelo atual está nos levando para um caminho
predatório.
Neste ano, participei de concorrências grandes, daquelas que fazem brilhar os olhos do
mercado. Trabalhamos por meses: foram mais de seis rodadas de ajustes que incluíam
apresentação, 3Ds, planilhas detalhadas, trocas intensas com fornecedores. E, de
repente, tudo foi cancelado. Sem explicação. Depois de alguma insistência para
entender o status, veio a resposta: “cancelamos a concorrência”.
Estamos falando de cliente com verba, com estrutura, com expectativa de entrega. E,
ainda assim, vem com uma resposta dizendo que “no futuro seremos grandes parceiros,
pois vou te adicionar em novas concorrências”.
Em outra situação — um cliente de um mercado muito distinto — nem chegamos a
participar. Eram mais de 20 agências convocadas para um evento presencial de leitura
de briefing. A impressão era de estar num evento de premiação — todo mundo se
conhecia, fora o fato de, ali, haver agência com mais de 30 anos de mercado disputando com uma que mal completou um.
Claro, não estou aqui questionando a competência de ninguém, mas sim o nível de curadoria: agências com perfis tão diferentes competindo pelo mesmo projeto mostram que,
muitas vezes, o próprio cliente não sabe o que precisa — e tampouco sabe avaliar quem
pode entregar.
O real custo de uma concorrências mal feita
Sem me alongar demais — o objetivo aqui não é desabafar, afinal — a ideia aqui é provocar a reflexão sobre uma nova visão no processo de concorrência.
Porque ela tem custo: hora de gente, hora de fornecedor, uso de estrutura. Tudo isso traz um impacto emocional e financeiro real para quem está envolvido. Uma concorrência média mobiliza dezenas de profissionais por meses, gerando custos que podem chegar a centenas de milhares de reais — recursos que poderiam estar sendo investidos em projetos com resultados tangíveis.
Por isso, exige responsabilidade, clareza, critério e respeito. O mínimo que esperamos é que o cliente saiba montar um briefing com informações suficientes, estabeleça regras claras e consiga sustentar o processo até o fim— afinal, isso faz parte da estratégia.
Evidentemente, diretrizes podem mudar durante o processo — isso é natural em qualquer
projeto estratégico. Mas a responsabilidade com o processo e com os fornecedores envolvidos deve estar estabelecida desde o princípio da concorrência. Mudanças de escopo são uma coisa; cancelamentos sem justificativa ou processos sem critérios claros são outra completamente diferente.
O que vemos hoje, em muitos casos, é um modelo de compras travestido de estratégia.
E isso fere qualquer discurso ESG — justamente o que tantas empresas adoram
estampar nos seus relatórios e eventos de liderança, que em muitos casos essas agências
que foram espremidas são contratadas para fazer.
ESG: a contradição empresarial
Falar de sustentabilidade enquanto se esmaga agências em processos de seleção
disfuncionais é pura contradição. Empresas que colocam ESG no centro do negócio e esquecem que fornecedores e parceiros também fazem parte de seus stakeholders. Eles também têm de ser tratados com respeito, com ética, com transparência e de uma forma verdadeiramente
sustentável.
Quando uma empresa mobiliza infinitas agências para uma concorrência sem critérios
claros, está desperdiçando recursos humanos, financeiros e ambientais em escala
industrial. Está promovendo um ambiente injusto, com jornadas não claras de avaliação
e pressão para resultado desnecessário sobre equipes inteiras.
Isso não é sustentável. Isso não é ESG.
O caminho é a estratégia de relacionamento
Está na hora de rever. De propor um novo jeito. E esse novo jeito começa na construção
de relacionamentos reais.
Vá até a agência. Saia do Teams e sente na cadeira de quem vai executar o projeto.
Entenda a estrutura, sinta a cultura, avalie a entrega na prática. Depois disso, selecione
quem realmente pode caminhar com você. A chance de sucesso, eu te garanto, aumenta
exponencialmente.
Esse modelo de desenvolvimento de fornecedores, com visitas, escuta e curadoria real, não é utopia — é gestão estratégica. E tem sido adotado em outras frentes da publicidade. No digital, no branding, no conteúdo, raramente se vê concorrências com 20 ou 30 agências. O que existe são contratos, times dedicados, metas claras. Relações mais profundas, onde se constrói um parceiro de negócio, pautadas por valor, não por desconto.
Remunerar participações como via concreta de melhoria
Não quero trazer só a visão na problemática, mas proponho uma solução possível — uma alternativa, inclusive, bem discutida pela AMPRO: a remuneração por participação das agências.
Na minha visão, este é um modelo simples e eficiente: estabelecer uma verba delimitada por
agência participante. Isso criaria automaticamente um número máximo de participantes
— afinal, há orçamento envolvido e ele é restrito.
Com isso, as agências participantes podem ser cobradas por performance mínima,
garantindo qualidade nas propostas. E, principalmente, o envolvimento dos executivos
avaliadores seria muito maior, já que há recurso da empresa investido no processo de
concorrência.
Os benefícios são evidentes:
- Curadoria natural: Orçamento limitado força seleção criteriosa
- Qualidade garantida: Agências é remunerada com performance mínima de entrega na concorrência
- Processo sério: Investimento gera comprometimento de ambos os lados
- Sustentabilidade: Recursos das agências são respeitados e compensados
Uma outra possibilidade foi o que uma grande marca do mercado cervejeiro anunciou
recentemente: a contratação de parceiros estratégicos para um ciclo inteiro de trabalho
com remuneração variável por entrega. E houve uma concorrência parelha entre
agencias nas diferentes competências.
Live marketing: da urgência à estratégia
Quando o termo “Live Marketing” foi colocado em pauta pela AMPRO, uma das
bandeiras era que ocuparíamos uma prateleira mais estratégica dentro dos negócios. A
realidade, porém, é que seguimos sendo tratados como o departamento de ideias
urgentes — e de orçamentos flexíveis.
Então…como mudar isso?
As relações entre clientes e agências precisam evoluir para um lugar de confiança e
geração de valor. É hora de parar de colocar preço em trabalhos que deveriam ser
reconhecidos pelo impacto que geram, pela estratégia que carregam, pela transformação
que oferecem.
Rodrigo Malandrino é Head de Novos Negócios com ampla experiência no mercado
publicitário brasileiro. Especialista em desenvolvimento de relacionamentos estratégicos
entre agências e anunciantes.