Curitiba e São Paulo - Outdoors publicitários em grandes cidades não são nenhuma novidade, mas, em São Paulo, eles não existem mais. Sancionada em 2006, a Lei Cidade Limpa vetou a veiculação de publicidades do tipo, a fim de combater a poluição visual que saturava a metrópole, regulamentando a publicidade em espaços públicos para preservar o patrimônio histórico, melhorar a segurança e a fluidez do trânsito, e, em última instância, elevar a qualidade de vida dos cidadãos.
O resultado foi a proibição de outdoors, redução da dimensão de placas comerciais e o veto a propagandas em locais como parques, monumentos e prédios públicos. Aprovada por 93% da população paulistana, segundo pesquisa da Offerwise em conjunto com a Eletromidia e JCDecaux, a Lei Cidade Limpa é envolta em elogios — e mesmo as eventuais flexibilizações em 2008 e 2017, com a volta de relógios de rua e alguns paineis de publicidade, 8 entre 10 entrevistados afirmam que a cidade está mais limpa ou pouco poluída; e 73% dizem que o ambiente se tornou mais agradável para viver.
E tem gente que busca mudar esse quadro, segundo um novo Projeto de Lei transitando na Câmara Municipal de SP, e outro em Curitiba, que também contou com a sua versão da Lei Cidade Limpa, também em efeito desde 2007.
O impulso pela flexibilização: projetos em São Paulo e Curitiba buscam sinergia entre limpeza visual e abraço aos negócios
Inspirados no visual da Times Square, em Nova York, dois projetos buscam flexibilizar ainda mais a Lei Cidade Limpa: em São Paulo, o foco está no Projeto de Lei nº 01-00239/2023, de autoria do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), enquanto em Curitiba, o Decreto Municipal 1.871/2024, do então prefeito Rafael Greca (PSD) estabeleceu o “Distrito da Mídia”, com reavaliações de regulamentação para a exibição de mobiliário publicitário na Rua Marechal Deodoro, na região central.
A parte curitibana difere da versão paulista por um motivo prático: Greca usou um decreto, que dá poderes de ação direta à administração da prefeitura para efetivar a lei no momento de sua publicação. Em termos diretos, o Distrito da Mídia já existe, mas tem alguns pormenores ainda em discussão.
Em São Paulo, no entanto, o caminho é mais longo: o projeto de lei ainda é uma proposta, e deve ter aprovação da Câmara Municipal antes de ser sancionada como lei pela prefeitura — neste caso, Ricardo Nunes (MDB). Isso leva tempo, mas a situação parece favorável a isso, pois…
A Prefeitura, o Governo do Estado e a iniciativa privada sinalizam apoio
O debate sobre a flexibilização da Lei Cidade Limpa envolve uma série de atores políticos, institucionais e setoriais com posições distintas. Um ponto importante é conhecer os personagens envolvidos e seus posicionamentos, se eles existem:
- Vereador Rubinho Nunes (União Brasil-SP): é o autor do PL nº 01-00239/2023. Ele defende o modelo da Times Square como um “sucesso mundial” e uma parte integrante da identidade cultural de uma metrópole moderna. Vale lembrar: Nunes teve seu mandado cassado em maio deste ano, por divulgar um laudo médico falso que atribuía ao opositor Guilherme Boulos o uso de drogas.
- Prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP): manifestou publicamente seu apoio à iniciativa, expressando a intenção de requalificar a Avenida São João e criar uma “espécie de Times Square” em pouquíssimas ruas específicas, com a ressalva de não gerar poluição visual.
- Governador Tarcísio de Freitas: já firmou entendimentos com o Prefeito Ricardo Nunes sobre a criação de grandes corredores culturais e comerciais na capital, que seriam iluminados por telas de LED e inspirados na Times Square.
Na oposição, temos:
- Gilberto Kassab (PSD): ex-prefeito de São Paulo, foi ele quem sancionou a Lei Cidade Limpa em 2006, tomando efeito dela em 2007. Hoje, um dos secretários do governo de Tarcísio, ele reagiu de forma veemente contrária à proposta de flexibilização e convocou os paulistanos a se posicionarem contra as mudanças nas regras de publicidade.
- Andrea Matarazzo (ex-ministro e empresário): engajou-se na defesa da Lei Cidade Limpa, criando um abaixo-assinado para apoiar sua manutenção.
- Urbanistas, arquitetos e entidades de preservação: várias entidades correlatas a esses setores manifestaram forte oposição, alertando para o risco de retrocessos significativos na paisagem urbana e um aumento da poluição visual. Eles lembram que a Lei Cidade Limpa é considerada um marco no urbanismo brasileiro e que sua flexibilização pode comprometer décadas de avanço.
- Vereadores contrários: na primeira votação do projeto, os vereadores Carlos Bezerra Júnior (PSD), Janaína Paschoal (PP) e Renata Falzoni (PSB) votaram contra a proposta.
Na seara política, o PL já recebeu o apelido “Lei da Cidade Suja”, argumentando que a fiscalização municipal, já precária, não conseguiria lidar com os excessos que a proposta poderia liberar.
Mas diante disso tudo contra, como o PL tem favorabilidade para, eventualmente, virar lei?
Bem, essa percepção vem do fato de que as instâncias de apoio são maiores que as contrárias, em termos práticos. A primeira votação sobre o PL já foi realizada — em maio — e ela passou adiante, o que indica que o número mínimo para passá-la como lei já existe.
Ademais, embora todos os opositores possam votar contra (o que já não deu certo na primeira instância) e movimentarem a população por meio do debate público, a decisão final é da prefeitura e do governo.
Um bom exemplo disso é a reforma do Vale do Anhangabaú: idealizado por Fernando Haddad (PT) e retomado por Bruno Covas (PSDB), o projeto custou mais de R$ 100 milhões aos cofres municipais e foi finalizado por Ricardo Nunes (Nunes era vice prefeito de Covas, e assumiu o cargo quando o último morreu em 2021). No entanto, diversas entidades urbanistas, além de vereadores e outras figuras políticas, como Celso Russomanno e Guilherme Boulos, eram ferrenhos opositores. Ainda assim, o projeto passou e o Vale do Anhangabaú, hoje, é bem diferente do que era em 2019 e 2020.
Há ainda que se considerar o interesse econômico: o Vale do Anhangabaú está majoritariamente privatizado, regido por um consórcio de empresas até pelo menos 2031. No caso da “Times Square paulista” que é a revisão da Lei Cidade Limpa, é impossível dizer quais são as marcas que influenciam os andamentos do projeto de lei, ao menos neste momento.
No entanto, é seguro afirmar que o setor de mídia out-of-home (OOH) é um dos principais beneficiários e tem grande interesse na flexibilização, buscando expandir significativamente os espaços publicitários. Empresas do setor têm uma voz formal no processo, participando das audiências públicas. A justificativa de atrair investimentos, fomentar o turismo e revitalizar áreas degradadas também é um argumento forte para os proponentes.
Mas na prática, o que muda?
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E aqui, chegamos ao ponto mais contencioso: vários aspectos do projeto que flexibiliza a Lei Cidade Limpa encontraram rígida oposição em várias instâncias — mesmo com a primeira votação tendo-o favorecido. Veja abaixo alguns pontos que ainda são bem questionados:
- Retorno de outdoors e novos formatos: a Lei Cidade Limpa proíbe outdoors e restringe bastante a publicidade. Com a flexibilização, outdoors e outros formatos de publicidade antes vetados poderiam retornar, especialmente em áreas específicas.
- Painéis de LED em pontos específicos: a aprovação do PL permitiria seria a instalação de painéis de LED em locais determinados da capital, com foco em regiões como a Avenida Paulista, Avenida São João e Santa Ifigênia.
- Ocultação de bens tombados: uma das propostas mais controversas do PL é a autorização para que painéis publicitários possam ocultar até 70% da visualização de prédios tombados ou bens culturais nessas áreas, algo expressamente proibido pela lei atual.
- Aumento nos limites de anúncios: as restrições de anúncios em imóveis seriam significativamente ampliadas. O limite atual de 4 metros quadrados (m²) para anúncios em imóveis pode saltar para 12 m² em testadas entre 10m e 100m. Para imóveis com testada inferior a 10m, a área total do anúncio não deverá ultrapassar 4m².
- Publicidade em diversos locais públicos: a mídia OOH seria permitida em uma gama de locais antes vetados, incluindo vias, parques, praças, logradouros públicos, postes de iluminação ou telefonia, cabines e telefones públicos, pontes, passarelas, viadutos, túneis, muros e paredes de propriedades públicas e privadas, veículos (com exceção dos de carga), e marquises, saliências ou recobrimento de fachadas.
- Patrocínio em mobiliário urbano: haveria permissão para instalação de placas de patrocinadores em parklets, jardins verticais e totens de recarga para veículos elétricos.
- Criação de “hubs” de comunicação: O objetivo é transformar essas regiões focadas em “hubs de comunicação urbana e cultura visual”, estimulando o uso publicitário de fachadas, telões e painéis.
Vale lembrar que, no caso do lobby empresarial, os proponentes utilizam argumentos de crescimento econômico e branding global (“Times Square paulista” etc.) para legitimar sua proposta, apresentando a lei atual como um impedimento. Os opositores, por sua vez, enfatizam a qualidade de vida, a preservação do patrimônio e o sucesso já comprovado da Lei Cidade Limpa na consecução desses objetivos.
O fato de o setor de OOH já ser maior e gerar mais receita após a implementação da Lei Cidade Limpa contradiz a narrativa implícita de que a lei impede o crescimento econômico, sugerindo que o argumento da “revitalização” pode ser uma justificativa para uma expansão comercial ainda maior, e não uma necessidade para a sobrevivência do setor.
Este cenário revela como a política urbana é moldada por visões concorrentes e interesses poderosos, onde argumentos econômicos podem ser usados para desafiar bens públicos estabelecidos.
Perguntas e respostas (FAQ)
Flexibilização da Lei Cidade Limpa e mudanças no mobiliário urbano em São Paulo e Curitiba
- Quais são os principais objetivos dos projetos de flexibilização da publicidade em São Paulo e Curitiba?
Ambas as cidades buscam criar “Distritos de Mídia” inspirados na Times Square de Nova York, com foco em painéis de LED e publicidade em fachadas, visando revitalização econômica, atração de investimentos, geração de empregos e fomento ao turismo.
- Qual é a principal diferença na forma como esses projetos estão sendo implementados em São Paulo e Curitiba?
São Paulo está usando um Projeto de Lei (PL nº 01-00239/2023), que exige tramitação legislativa complexa e audiências públicas. Curitiba, por sua vez, utilizou um Decreto Municipal (Decreto 1.871/2024), uma medida executiva que permite uma implementação mais direta e potencialmente mais rápida.
- Como a Lei Cidade Limpa existente em São Paulo afeta a proposta de flexibilização?
A Lei Cidade Limpa (2006) de São Paulo é rigorosa e amplamente aprovada pela população. Isso faz com que qualquer proposta de flexibilização gere forte oposição e intenso debate público, pois é vista como um retrocesso.
- O projeto de Curitiba também enfrenta forte oposição?
Os dados do documento não detalham o mesmo nível de oposição explícita e organizada em Curitiba para o projeto do Distrito de Mídia, embora um projeto de lei para publicidade em tapumes ainda esteja em tramitação e possa gerar debates.
- Quais são os potenciais benefícios esperados com essas flexibilizações?
Os proponentes citam a revitalização de áreas, geração de empregos e renda, aumento da arrecadação municipal e a criação de novos pontos turísticos.
- Quais são os principais riscos ou preocupações com esses projetos?
Os críticos alertam para o aumento da poluição visual, descaracterização do patrimônio histórico (especialmente em São Paulo, com a permissão para ocultar fachadas de bens tombados em até 70%), dificuldade de fiscalização e impacto negativo na segurança e mobilidade devido a distrações.
- O setor de mídia Out-of-Home (OOH) realmente precisa dessas flexibilizações para crescer?
Em São Paulo, pesquisas indicam que o setor de OOH já é “significativamente maior” e gerou mais empregos e arrecadação após a implementação da Lei Cidade Limpa, o que contradiz a narrativa de que a lei impede o crescimento econômico e sugere que a flexibilização visa uma expansão comercial ainda maior.
- Qual é o maior desafio para a gestão da paisagem urbana no Brasil diante dessas propostas?
O principal desafio é encontrar um equilíbrio sustentável entre os interesses econômicos e a preservação da paisagem urbana, do patrimônio histórico e da qualidade de vida dos cidadãos. A fiscalização eficaz das novas regras também é um desafio crucial, pois a fiscalização atual já é vista como precária, o que pode levar a uma desordem visual incontrolável.
- Existem oportunidades para integrar a publicidade com outros elementos urbanos?
Sim, há oportunidades para desenvolver modelos que integrem a publicidade com arte, cultura e informação de utilidade pública (como já previsto em Curitiba 151515), usar a publicidade como fonte de financiamento para manutenção urbana e incentivar tecnologias mais eficientes e harmoniosas. Curitiba, em particular, busca reforçar sua liderança no setor de OOH e usar o Distrito de Mídia para branding econômico.
Flexibilização da Publicidade Urbana
Tabela compartiva
Característica | São Paulo (PL nº 01-00239/2023) | Curitiba (Decreto Municipal 1.871/2024) |
---|---|---|
Instrumento Legal | Projeto de Lei | Decreto Municipal |
Proponente Principal | Vereador Rubinho Nunes (União Brasil) | Prefeito Rafael Greca |
Apoio Executivo | Prefeito Ricardo Nunes e Governador Tarcísio de Freitas apoiam. | Prefeito Rafael Greca assinou o decreto. |
Áreas Focadas | Avenida Paulista, Avenida São João, Santa Ifigênia. | Rua Marechal Deodoro (trecho específico: entre Travessa da Lapa e Rua Desembargador Westphalen). |
Principais Alterações Propostas | Retorno de outdoors, painéis de LED, ocultação de até 70% de bens tombados, aumento de limites de anúncios (para 12m²), publicidade em parklets, jardins verticais, totens de recarga, entre outros. | Instalação de painéis digitais em fachadas/laterais, capacidade para 20 mil m² de publicidade, 1h diária de conteúdo de utilidade pública. |
Status Atual | Aprovado em 1ª votação, em fase de audiências públicas, aguardando votação final. | Assinado e em fase final de aprovação na Câmara (para aspectos complementares). |
Nível de Oposição | Alta e organizada (Ex-Prefeito Gilberto Kassab, Andrea Matarazzo, urbanistas, arquitetos, vereadores contrários). | Não tão explicitamente detalhada nos dados para o decreto do Distrito de Mídia. |
Potenciais Benefícios (proponentes) | Revitalização de áreas, geração de empregos e renda, aumento da arrecadação municipal, criação de novos pontos turísticos. | O mesmo, com foco em Curitiba como polo nacional de campanhas publicitárias. |
Potenciais Riscos (opositores) | Poluição visual, dificuldade de fiscalização, descaracterização do patrimônio, impacto na segurança e mobilidade. | Poluição visual, dificuldade de fiscalização. |
Desafios para a Gestão Urbana | Equilíbrio entre interesses econômicos e preservação da paisagem/qualidade de vida, fiscalização eficaz de novas regras, debate público transparente, resistência à “commodificação” excessiva. | Os mesmos desafios. |
Oportunidades para a Gestão Urbana | Desenvolver distritos de mídia com arte/cultura/informação, usar publicidade para financiamento urbano, tecnologias de painéis eficientes. | As mesmas oportunidades, com foco em reforçar a liderança no setor de OOH e branding econômico. |