A Justiça de São Paulo anulou três multas aplicadas pelo Procon de São Paulo por abusos relacionados à publicidade infantil. Entre 2007 e 2009, Sadia, Del Valle e Nestlé foram multadas por ações promocionais que, na visão do órgão de defesa do consumidor, abusavam da falta de capacidade de julgamento das crianças para aumentar as vendas. O Procon ainda pode recorrer.
A decisão que anulou a multa de R$ 305 mil aplicada à Sadia é de segunda instância. As decisões favoráveis à Del Valle (anulando multa de R$ 37 mil) e à Nestlé (R$ 407 mil) foram em primeira instância.
Renan Ferraciolli, assessor-chefe do Procon-SP, diz que o órgão vai recorrer. Ele acredita que a questão deverá ser decidida no Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Sustentamos nosso argumento. Para que dirigir a estratégia comercial para quem não tem capacidade de entender e nem sequer vai adquirir o produto? A criança influencia, mas não decide. A comunicação não deve ser dirigida à criança.”
Nos últimos cinco anos, o Procon-SP multou quase 20 empresas, em mais de R$ 12 milhões, por questões ligadas à publicidade infantil. Ferraciolli não descarta novas derrotas no Tribunal de Justiça de São Paulo. “O risco existe. É 50% de chance para cada lado”, diz. “Mas acreditamos que a posição do Procon é sustentável do ponto de vista jurídico e representa o anseio dos pais.”
Procuradas, Nestlé e Sadia (hoje BRF) não quiseram comentar. A Del Valle não respondeu às ligações até o fechamento desta edição. Para o presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade), Luiz Lara, a pressão da sociedade é “saudável” e a Justiça “está aí para proporcionar o equilíbrio entre as partes”. “O mundo não é preto e branco, pode haver abusos, mas acredito que o arcabouço jurídico existente é suficiente para tratar dessa questão”, diz ele.
A Folha de S. Paulo forneceu quadro resumindo o conteúdo das ações publicitárias que tiveram a multa anulada:
Já no âmbito do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), passaram a valer no dia 1º de março as novas regras para a publicidade infantil. O CONAR anunciou as novas regras pouco depois do veto do Governador Geraldo Alckmin ao PL 193/2008, que buscava regulamentar a publicidade voltado ao público infantil.
A principal medida do CONAR é a proibição de ações de merchandising voltadas a crianças. Assim, fica vetada a atuação mirim em “merchans”, bem como o uso de elementos infantis ou outros artifícios com o objetivo de captar a atenção deste público. Os programas infantis só poderão vir acompanhados de anúncios de produtos e serviços para crianças em seus intervalos e em espaços nitidamente comerciais.
Na Seção 11 do Código de Ética, foram acrescentados os itens 3, 4 e 5, nos quais constam que o CONAR condena o merchandising ou a publicidade indireta que empregue modelos crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios para captar a atenção e a curiosidade desse público, não importando o veículo utilizado.
As novas determinações atendem a um pedido da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) que, de acordo com comunicado do CONAR, reconhece “a necessidade de ampliar-se a proteção a públicos vulneráveis, que podem enfrentar maior dificuldade para identificar manifestações publicitárias em conteúdos editoriais”.
Em 2012, o CONAR julgou 41 casos relativos à publicidade infantil. Geraram mais polêmica os três processos referentes a ações de merchandising para crianças na novela Carrossel, do SBT. Nos três, a entidade condenou a emissora e os anunciantes (Cacau Show, Giraffa’s e Chamyto, da Nestlé) por ações envolvendo personagens da trama e seus produtos. Caso de natureza semelhante envolveu publicações infantis da Editora Abril, embora com desfechos diferentes.
O CONAR informa que é a favor, no entanto, do acesso de crianças e adolescentes à “publicidade ética”. “O consumo é indispensável à vida das pessoas e entendemos a publicidade como parte essencial da educação. Privar crianças e adolescentes do acesso à publicidade é debilitá-las, pois cidadãos responsáveis e consumidores conscientes dependem de informação”, diz Gilberto Leifert, presidente da entidade, via comunicado.
A autorregulamentação já previa veto a ações de merchandising de alimentos, refrigerantes e sucos em programas especificamente dirigidos a crianças, mas agora a medida é ampliada para qualquer tipo de programa. As regras são passíveis de adesão voluntária, mas nenhum dos oito mil casos julgados pelo CONAR deixou de ser cumprido. Da mesma forma, já é consenso no mercado que crianças não devem ser envolvidas em ações promocionais de merchandising.
Com essa autorregulamentação, os anunciantes conseguem manter a aceitação da sua atividade, impondo limites para que ela se torne sustentável, uma vez que o consumidor mantém-se preocupado e sensível aos temas que envolvem a sua saúde e a dos mais jovens e vulneráveis. Juridicamente, a liberdade de expressão entra em conflito com a necessidade de proteção da criança e do adolescente e, como ambos os princípios constam na Constituição Federal, a solução dos litígios é dada caso a caso, ou seja, não há uma única solução jurídica.
Fontes: https://migre.me/d4hhu, https://migre.me/d4iPz e https://migre.me/dwo7K