Experiência de Marca

A mentira, a verdade e a preguiça

Francisco Bittencourt*

Questionado em sala de aula, sobre o uso do blefe na negociação, embora reconhecendo tratar-se de um recurso e não de um instrumento (a diferença está entre a eventualidade do recurso e a condição indispensável do instrumento), afirmei que não mentia, não só por uma questão moral, mas fundamentalmente por preguiça.

A primeira reação foi de sorrisos discretos e um tanto irônicos. Afinal de contas, o que é que a preguiça tem a ver com a verdade? Ao estudar o conceito de “rapport” encontra-se a matriz do relacionamento que traz:

• MENTIRA COM DESRESPEITO – DANOS IRREPARÁVEIS AO RELACIONAMENTO
• VERDADE COM DESRESPEITO – COMPROMETE O RELACIONAMENTO
• MENTIRA COM RESPEITO – COMPROMETE O RELACIONAMENTO
• VERDADE COM RESPEITO – RELACIONAMENTO CONSTRUTIVO.

A partir desta leitura pode-se verificar que o compromisso com a verdade tem um custo benefício que se mostra evidente no sentido de enriquecer qualquer relação produtiva.

No desempenho de papéis que envolvam liderança, negociação, decisão ou mesmo em situações cujo foco seja as relações interpessoais (produtivas ou afetivas), a verdade se mostra em toda a sua força.

Abstraindo-se de aspectos de natureza psicológica, há que se considerar, sob o ponto de vista do pragmatismo, que a verdade, sem dúvida, é a opção que menos esforço demandará, em termos de retenção na memória, e por consequência, na busca de uma justificativa que venha a convencer interlocutores céticos ou desconfiados.

As mudanças de comportamento se fazem por impacto nas três dimensões:

· Valorativa, onde pontificam os valores, as crenças, as ideologias;
· Cognitiva, onde permeiam os conhecimentos, as informações;
· Afetiva, onde são priorizadas as necessidades, as expectativas, os anseios.

Quando essas três dimensões são impactadas, muda a percepção das pessoas; em seguida, com a conscientização mudam-se as atitudes; consolidadas as atitudes, altera-se o comportamento. Portanto, um processo decisório deve, por princípio, procurar impactar essas dimensões, e as formas mencionadas, o consenso, a maioria, a unanimidade são métodos de ação, e não resultados.

Em comunicação, um dado só tem importância quando é decodificado; uma informação é útil quando é selecionada e gera uma agregação de valor; neste estágio ela torna-se conhecimento e gera enriquecimento e sabedoria.

Uma decisão, para ter o comprometimento de todos os seus beneficiários deve ser elaborada, arquitetada e projetada de forma cuidadosamente artesanal. Somente assim será entendida, compreendida e aceita. E então considerada uma obrigação.   Se o uso da liderança não se mostra capaz de sensibilizar o indivíduo, cabe o uso da autoridade, para que se preservem algumas premissas organizacionais; esclarecimento, comprometimento, engajamento.

A partir do momento em que a visão é aceita e compartilhada, está aberto o caminho para a definição dos objetivos. O modelo decisório, portanto deve levar em conta a necessidade de engajamento: participação comprometida e contribuição efetiva para o resultado e não uma simples, obediente e superficial participação.

Esta reflexão nos leva a uma visão de que ao propor a um interlocutor a essência de um pensamento ou ideia, deve-se levar em consideração a sua capacidade de traduzir, para sua realidade ou compreensão, a estrutura do pensamento de quem emitiu a ideia.

Se houver dificuldades na chamada compreensão, ou decodificação, como o texto afirma acima, há a alternativa da argumentação, base essencial para a credibilidade da afirmativa, e, como produto complementar, a aceitação do que foi transmitido.   Desta maneira, o fundamento na verdade leva o emissor da mensagem à certeza de que, considerando que ele está convencido do que está explicitando, não haverá dificuldades em construir uma linha de raciocínio e de verdade, que consolidará sua assertiva.

Entre as diversas afirmativas atribuídas a Fernando Pessoa, uma delas causa uma identificação significativa: “O universo não é uma ideia minha, mas a minha ideia de universo é uma ideia minha”. Fica, portanto, mais consistente o comprometimento com uma ideia construída pelo próprio interlocutor, sem a necessidade de criar uma imagem, por vezes sedutora ou envolvente, mas na qual o próprio emissor não crê, e, por conseguinte, não tem recursos ou instrumentos que permitam sua absorção por quem está recebendo a mensagem.

Ao se comprometer (obrigação espontânea) com a verdade, o emissor da mensagem percebe que não tem que registrar na memória o que foi dito. A verdade está registrada em sua mente, tal e qual uma fotografia nítida, real, tão autêntica como uma obra de Sebastião Salgado. Não há o que refutar, não há o que desmentir, não há o que contestar, é a verdade pura e simples.

O compromisso com a verdade tem seu preço. Por vezes é elevado, traz sacrifícios, mas, no entanto, livra o responsável da necessidade de justificar, sempre que é colocado em cheque, o que foi dito.

Na negociação informa-se que o blefe é um recurso negocial. É, sem dúvida. Mas traz em seu bojo um risco. Se colocado à prova, destrói a credibilidade do negociador.

Afirma o senso comum que “a mentira tem pernas curtas”. Não hesitaria em afirmar que tem não só as pernas curtas, mas a memória frágil. Além disso, a verdade na afirmativa e nas assertivas livra o gerador de decisões, o emissor de opiniões do esforço de lembrar-se do que disse, de que forma construiu sua “verdade frágil”, e com isso, criar desconforto em quem o ouve, ou se sente impactado por sua mensagem, ou mesmo decisão.

Domenico de Mais trouxe a ideia do Ócio criativo. Pode-se afirmar que, o compromisso com a verdade, nas mensagens, nos pensamentos, no compromisso traz o conceito da preguiça saudável. Esta preguiça saudável se assemelha ao acordar num domingo de outono, quando as manhãs são magníficas, e com a consciência de que o único compromisso incontestável são a família, os amigos, a ociosidade criativa.

Há que se conceituar, portanto, esta forma de qualidade de aeróbica comportamental. E com a vantagem de deixar uma marca, insuperável, de qualidade decisória.

Francisco Bittencourt é*Francisco Bittencourt é Consultor Sênior do Instituto MVC na condução de treinamentos e consultorias.