Encantamento é um dos ativos mais valiosos do brand experience — e também um dos mais delicados. Entre bastidores, redes sociais, spoilers e promessas infladas, muitas marcas confundem conexão com exposição. Mas e se a pressa de mostrar tudo estiver justamente matando a magia que você quer provocar?
Antes de ser um dilema para as marcas, esse é um dilema que habita no meu dia a dia. Como conteudista de brand experience, eu frequentemente recomendo aos nossos clientes que explorem a narrativa dos bastidores – afinal é o que eu e a nossa audiência mais queremos saber, e como conteúdo nas redes sociais, dá super certo.
No entanto, recentemente conversando com o Ramon Araújo sobre a Tomorrowland – um super festival de música eletrônica – surgiu uma questão: “Cindy, os belgas não deixam a gente gravar nada nos bastidores, porque isso mata a magia!”. Duas semanas depois conheci o Victor Saliba, criativo da Disney, em Cannes, e em alguma conversa nossa esse assunto também surgiu. Ele falou pra mim que trabalhou um tempo nos parques antes de integrar o time brasileiro da marca, e a política era rígida sobre não poder mostrar o que não é visto pelo público no parque.
E parando pra refletir, faz todo sentido. Além da fantasia explícita nas marcas, ambas vendem muito mais que programação: elas vendem um universo, um mundo com lógica própria, onde o público quer habitar. Não importa qual é o line-up. Não importa qual atração está no palco. O que move os fãs dessas marcas é o desejo de estar dentro daquele universo simbólico — e isso muda tudo.
Pensando nisso e entre algumas pesquisas, reuni abaixo algumas respostas que encontrei sobre o que leva a essas marcas tomarem essa decisão e principalmente quando o “mostrar” é válido ou não para a experiência física da marca com o consumidor. Vem comigo:
1. Se você tem tanto para vivenciar, porque alguém vai querer ver o que há por trás? – A importância da criação de um universo simbólico
A construção de um universo consistente é o que sustenta o encantamento no longo prazo.
Como falei antes, as pessoas não querem apenas consumir uma programação — elas querem habitar e isso está diretamente relacionado ao co-construir. E para isso acontecer, esse universo precisa ter profundidade: símbolos, nuances, rituais, estética, linguagem, sons e pequenos detalhes que criam a sensação de que aquele espaço tem vida própria.
Um universo raso não sustenta curiosidade. Um universo bem construído permite que a experiência exista mesmo quando a marca não está falando diretamente. Disney e Tomorrowland são exemplos disso.
A Tomorrowland, por exemplo, anuncia o tema do festival só semanas antes do evento. O “Orbyz”, tema desse ano (2025) veio com um trailer misterioso, repleto de símbolos congelados e zero contexto. E a internet surtou tentando decifrar. Isso não é acaso. É uma engenharia de expectativa – o que pode ser um perigo e falo disso mais pra frente.
O trailer oficial saiu há um mês e pode ser visto aqui.
A Disney faz o mesmo, de forma ainda mais radical (e também mais conhecida): personagens nunca aparecem sem fantasia, o código “Disney Look” é lei nos bastidores, e os parques são recheados de Hidden Mickeys que nunca são explicados. Apenas descobertos.
Essas marcas constroem universos com tanta profundidade que o público fica verdadeiramente entorpecido, e de certa forma preferem até nem descobrir os bastidores – mas fazem questão de caçar os segredos construídos especificamente para serem descobertos, em uma estratégia, é claro, de gamificar a experiência.
Isso envolve rituais, mitos, estéticas, sons, cheiros e gestos que sustentam a experiência sem precisar explicar tudo e unem uma comunidade, criando laços e uma atmosfera simbólica habitável, onde o encantamento é uma escolha ativa do público e também exige mistério com uma estrutura simbólica.
2. O arquétipo pode te fornecer mais dicas do que imagina
Outra coisa que não podemos ignorar são os arquétipos dessas marcas, e isso diz muito sobre as decisões tomadas acerca das suas experiências. Inclusive lembrei de um painel que assisti no SXSW 2024 “How Jungian Archetypes Can Humanize Modern Brands” e fui revisitar pra ver o que a metodologia teria pra me dizer e.. bingo: ambas compartilham o mesmo arquétipo central, o Mágico – que trabalha a favor do encantamento, da suspensão da descrença e da emoção:
- A Tomorrowland é o Mágico mais Encantador: cria realidades paralelas sensoriais, com arquitetura, som e linguagem própria. Afinal a música eletrônica em si mexe muito com a sensorialidade, e que pode “transportar” tanto alguém que está no evento pela primeira vez, quanto um participante frequente, diferente da..
- Disney que mistura Mágico com Alquimista: que se apoia no território emocional da infância em seus melhores estágios, entregando fantasia, valores e nostalgia em experiências profundas.
Lillian Marsh, apresentadora do painel citado, descreveu o arquétipo do Mágico como aquele que transforma a realidade de forma tão surpreendente que parece sobrenatural — mesmo quando há ciência, engenharia ou tecnologia por trás. Marcas que operam nesse arquétipo têm o poder de criar experiências que desafiam a lógica, provocam encantamento e fazem o consumidor sentir que está diante de algo maior do que ele consegue explicar racionalmente.
Isso influencia diretamente o quanto você pode ou não revelar. O Feiticeiro trabalha com o invisível. O Alquimista, com o simbólico. E se a sua marca também vive esse arquétipo, o “esconder” pode ser parte fundamental do jogo.
3. Sustentar a narrativa até o fim não é para todos
Criar um universo nem sempre é fácil, no entanto temos visto estratégias que geram hype mas que não se sustentam a longo prazo, e acho que esta é outra questão primordial.
Quando você coloca a expectativa do público em jogo, o resultado pode ser catastrófico se o seu universo tiver a profundidade de um pires – ou a sua estratégia.
Há quase 1 ano, por exemplo, a Warner fez um convite de aniversário aos fãs do Harry Potter (olha a magia aqui de novo) na Avenida Paulista e todos se mobilizaram em função da divulgação entre o público. No fim, a ação era basicamente uma contagem regressiva para uma projeção mapeada especial (que durou mais tempo que a própria projeção), brindes de qualidade duvidosa distribuídos e logo depois da exibição não aconteceu mais nada – todo mundo pra casa. Resultado: revolta nas redes sociais e reviews como este aqui.
Experiências para de marcas deste arquétipo podem ser verdadeiros pesadelos para quem não tiver certo grau de sensibilidade. Produções de streamings como Amazon e Netflix passam por este processo quando são transportadas em formato físico para grandes eventos como a CCXP também.
Em um dos primeiros episódios do Na Escuta eu perguntei aos criativos da tm1 quantas vezes eles assistiam as séries e como era o processo criativo para formularem suas experiências nesse tipo de ocasião:
Por fim, é inegável que marcas como Disney e Tomorrowland nunca prometem mais do que podem entregar. Elas constroem expectativa sobre o que já dominam e garantem uma qualidade excepcional. Porque sabem que o que impressiona é um resultado profundo, e não o processo.
No próximo artigo, levo vocês a outra questão que paria em minha mente: a gamificação – ou intenção de – na experiência.
Esse é um dos conceitos que a gente precisa revisar uregntemente pois tem muita marca achando que tá fazendo isso, mas não tá não. Se você quiser que eu traga outros temas aqui para analisar, me chama lá no instagram em @cindyfeijo e envie a sua sugestão. É isso e nos vemos no próximo conteúdo! Tchau tchau