Experiência de Marca

Representatividade: Um despertar branco para a causa negra

O povo preto na publicidade, no mercado e na cultura de massa.

Quando 2020 terminou, sem dúvida ele ficou sendo um ano que será para sempre lembrado pela pandemia global de Covid-19 e pelas suas consequências, mas há de se destacar um aspecto igualmente marcante do ano passado: O alargamento da conscientização mundial pela causa negra e da valorização e representatividade, ainda distante de serem reparadoras, do povo preto na publicidade, no mercado e na cultura de massa.

Os assassinatos brutais de negros nos EUA, com ecos de números similares aqui no Brasil, deram início a uma onda de protestos mundiais, o que levou o lema Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) aos assuntos mais comentados nas redes sociais e nas mídias tradicionais. 

Leia também: Racistas criticam campanha da Puma com o Palmeiras.

Leia também: Lucas do BBB21 é o novo embaixador da Avon.

Breonna Taylor, George Floyd e Jacob Blake foram alguns dos nomes catalisadores desse engajamento mundial. 

A viralização do movimento BLM na internet, pela urgência de sua discussão essencial, teve sua reverberação em diversos aspectos da cultura e sociedade ocidentais. 

No Brasil, milhares de adolescentes e jovens pretos mortos cotidianamente nas periferias são capitaneados pela figura de Marielle Franco, ativista negra assassinada no RJ no final de 2018. 

Apesar-de menos ativa nas ruas, a militância brasileira nas redes sociais é vigilante e altamente mobilizadora, flagrando casos de racismo e apropriação cultural, além de incentivar a representatividade e promover artistas e figuras negras.

Essa mobilização digital ficou evidente em torno dos personagens pretos da vigésima edição do Big Brother Brasil, no começo do ano. O ator Babu Santana e a médica anestesista Dra. Thelma Assis foram finalistas, com vitória tranquila da médica. 

Suas histórias de superação e representatividade por meio da arte e da educação, além do contexto propício, os tornaram figuras frequentes em campanhas publicitárias, capas de revistas e diversos programas da Rede Globo.

O alcance tomado pela hashtag #BLM, teve seu primeiro grande impacto na cultura de massa por meio dos jogos da NBA, a Liga masculina de basquete americano, com quase 75% dos jogadores negros

O campeonato sofreu desde protestos até boicote e cancelamentos de partidas. Isolados em um resort em Orlando, por conta da pandemia, LeBron James, ativista e influenciador digital, e muitos outros jogadores se posicionaram diversas vezes, ajoelhando-se em sinal de protesto ou usando camisetas, tênis e outros símbolos do movimento.

Estrelas negras: Representatividade na mídia

Em julho de 2020, a cantora Beyoncé lançou Black is King, seu projeto mais recente, filmado na África, entre outras locações, por mais de um ano e lançado com recordes de streaming pela Disney+

É um álbum audiovisual que reinterpreta a história de O Rei Leão, através da exaltação do negro e da representatividade. 

Sob a ótica moderna e múltipla do afrofuturismo, a cantora apresentou ao mundo o resgate das tradições africanas, da ancestralidade e dos símbolos de poder negro, como a religiosidade, a música e as múltiplas expressões tribais. 

Cercado por colaborações de artistas negros contemporâneos, o álbum e sua estética visual estiveram entre os assuntos mais comentados por semanas.

Beyoncé, a grande artista pop do século 20, soube como ninguém ler o zeitgeist mundial e usar as redes sociais a seu favor para mobilizar e consolidar seu poder como ícone negro e feminista. 

Em outubro, sua grife de streetwear Ivy Park, em colaboração com a Adidas, teve lançamento on-line e vendas quase exclusivamente digitais, pelo contexto vigente. As peças esgotaram poucos minutos após o lançamento. 

O mesmo sucesso instantâneo de vendas e buzz digital ocorreu com a cantora Rihanna e sua grife de underwear Fenty Savage, lançada digitalmente com campanha igualmente inclusiva e empoderadora, para todos os tipos de corpos e raças. 

Fechando o ano das estrelas pop, Beyoncé ainda estrela a capa e ensaio principal da edição de dezembro da Vogue britânica.

As capas de revistas, ainda medidores precisos da evidência midiática, tiveram no Brasil um ano atento à valorização do negro e ao desejo do público por representatividade. 

Além da presença da BBB vencedora Thelma Assis em algumas publicações, a volta da edição impressa da ELLE no país, em setembro, teve um trio especial de capas, com a cantora Iza, jurada de sucesso no programa The Voice Brasil, Gilberto Gil e a filósofa e ativista Djamila Ribeiro, autora de livros entre os mais vendidos e entrevistada do programa Roda Viva em 09/11.

A preocupação com a representatividade e diversidade de castings, em uma representação mais honesta do povo brasileiro, pôde ser percebida também na comunicação das marcas. 

Desde as campanhas das redes de fast fashion aos comerciais de carros e alimentos, a presença dos negros torna-se cada vez mais comum e desejada. 

Essa tendência ficou muito evidente na recente escolha, por voto popular, de uma mulher negra para Ully, assistente virtual da Ultragaz. Além disso, outras marcas brasileiras apostaram em campanhas que focam na representatividade negra, como o Bradesco, o Santander, o iFood e a propaganda do perfume Essencial da Natura, que conta com a participação do modelo Marcelo Lima e a cantora Negra Li.

Outras personalidades negras com atuação ativista em suas áreas também foram destaque no ano, como o heptacampeão de Fórmula 1 Lewis Hamilton, com recordes batidos, posicionamentos contundentes em pódios e declarações, e o jovem rapper Djonga, indicado ao importante prêmio americano BET Hip-Hop Awards, sendo o primeiro brasileiro lembrado na premiação. 

O rapper britânico Stormzy, também negro, venceu a categoria no final de outubro.

Empresas ligadas na causa negra

Apesar da hegemonia branca nos cargos de liderança das empresas, pelo preconceito e a falta de oportunidades do povo negro desde a educação de base, algumas iniciativas de reparação, além da luta pela equidade salarial, começam a ser vistas em empresas de diversos setores.

Produtoras, agências de marketing e publicidade e empresas digitais, por exemplo, sentem cada vez mais a pressão do próprio mercado em mostrar a representatividade, diversidade e inclusão para além do discurso, com a presença de negros e minorias LGBTQIA+ em seus quadros de funcionários, e, especialmente, em cargos de liderança. 

Torna-se óbvio que a diversidade interna das empresas refletem em decisões mais assertivas e na comunicação mais fluida com a realidade do povo brasileiro.

Magazine Luiza, ou Magalu, criou polêmica em setembro, ao anunciar seu programa de trainee exclusivamente para candidatos negros, mesma iniciativa da Bayer, indústria farmacêutica. 

Apesar de diversos tuítes questionarem a postura da empresa, sua CEO Luiza Trajano veio à mídia explicar a ação como o início de uma reparação, para equilibrar o número de pretos entre seus colaboradores. 

Uma das marcas mais valiosas e admiradas do país provou estar no caminho certo mais uma vez.

No mês de novembro, essa conscientização afetou também a moda, com a nova campanha da Avon, protagonizada por mulheres pretas. 

O objetivo da campanha é o lançamento do seu compromisso antirracista, que tem como meta 50% de cargos de liderança ocupados por pessoas negras, sendo 30% mulheres, até 2030. 

Na edição 2020 do São Paulo Fashion Week foi estabelecida uma cota obrigatória para a participação das marcas em seus desfiles digitais. 

Todo o casting de modelos deveria ser 50% formado por afrodescendentes, indígenas e asiáticos. Com esse posicionamento, a organização da semana de moda de São Paulo estabeleceu um novo paradigma de atenção às marcas nacionais, promovendo a representatividade e inclusão de forma compulsória até que esta seja uma escolha natural de todos.

Futuro preto, inclusivo e transformador

Reforçados pelo isolamento social, os destaques observados aqui, produtos da nossa sociedade do espetáculo, tiveram seus alcances amplificados também pela velocidade das redes sociais. 

A “voz das ruas” agora se une e se multiplica em telas, lives, memes e a constante vigilância digital de nossas personas públicas.

O movimento Black Lives Matter certamente deflagrou a necessidade de uma conscientização imediata de toda a sociedade, reconhecendo a violência, o racismo estrutural e também as tradições, a beleza e as imensas contribuições negras para a cultura e história mundial, para além do “embranquecimento” de figuras de nossa história, como o escritor Machado de Assis ou o presidente Nilo Peçanha. 

A eleição recente de Joe Biden e Kamala Harris, primeira vice-presidente negra dos EUA, também deverá fortalecer essa expansão nos próximos anos. 

Se antes as questões da causa negra já estavam bem diante de nós, agora elas nos convocam pelas telas à empatia e à ação. Que assim seja o início de algo muito maior e transformador!

O ator Bruno Gagliasso, após a capa da revista Bazaar Kids com sua filha Titi, africana de Malawi, celebrou esse novo mundo, que apesar de todas as resistências e da esterilidade do preconceito, não será impedido de florescer. 

Em seu perfil no Instagram, a foto de sua filha teve como legenda um trecho da música Menina Pretinha de MC Sophia, adolescente rapper e ativista:

Africana
Como história de griô
Sou negra
E tenho orgulho da minha cor

O meu cabelo é chapado, sem precisar de chapinha
Canto rap por amor, essa é minha linha
Sou criança, sou negra, também sou resistência
Racismo aqui não, se não gostou, paciência.