O Instituto Alana, Organização Não-Governamental, sem fins lucrativos, que trabalha para encontrar caminhos transformadores para as crianças, encaminhou uma Representação ao Ministério da Educação e ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça (DPDC-Senacom-MJ) solicitando a adoção de medidas cabíveis para coibir as práticas do McDonald’s em escolas.
Por meio de análise do site da rede de lanchonetes “McDonald’s” (Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda.), veio a conhecimento do Projeto Criança e Consumo, a realização dos “Shows do Ronald McDonald” em instituições de Ensino Infantil e Fundamental, públicas e privadas, em diversas cidades do País.
A legalidade dos show promovidos pela rede de fast food McDonald’s está sendo questionada, pois, para o Instituto, ela usa a vulnerabilidade da criança com objetivo de transmitir sua mensagem publicitária.
Segundo a interpretação dos especialistas do Instituto, o ambiente lúdico e o palhaço que representam a marca exercem a função de criar uma ligação afetiva das crianças com a rede de fast food.
Em função disso, no dia 15/08, o Instituto encaminhou uma notificação à empresa, para apresentar suas observações a respeito do desenvolvimento da ação e solicitar o fim delas.
Com base no texto do site da Instituição “Trata-se claramente de publicidade dentro de um ambiente de ensino, espaço de formação de valores e cidadania, onde a criança está aberta a aprender e assimilar o que é ensinado. Ação que vai contra a opinião de 56% da população que desaprova a publicidade em escolas”.
O dado utilizado vem de uma pesquisa quantitativa realizada pelo instituto Datafolha, em parceria com o Projeto Criança e Consumo, publicada em maio de 2011 que colocou em questionamento as “Opiniões sobre a propaganda infantil”.
O estudo investigou as opiniões da população brasileira, e, em particular, a dos pais de crianças até 11 anos de idade, sobre a propaganda dentro das escolas, bem como sobre a propaganda de alimentos, dirigida ao público infantil.
Segundo o texto publicado no site da Instituição foram feitas diversas denúncias sobre as ações de marketing nas escolas, e, em virtude da ausência de resposta formal por parte da empresa, no dia 27/09 o Projeto Criança e Consumo encaminhou a Representação, pedindo que fossem tomadas ações para coibir imediatamente a prática dentro das escolas.
Nossa redação entrou em contato com o Instituto Alana para saber mais sobre esta questão tão debatida nos dias de hoje, em que as crianças já nascem rodeada de informações e estímulos.
Quem respondeu nossas perguntas foi a advogada Ekaterine Karageorgiadis, que trabalha na área de Defesa do Instituto Alana e Conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Promoview: Como anda hoje esta ação sobre a publicidade e o marketing dirigidos para as crianças? Está proibido? Está em estudo do governo? Ou hoje é mais uma questão de ética?
Ekaterine Karageorgiadis: O direcionamento da publicidade ao público infantil vai contra princípios éticos e legais. Do ponto de vista jurídico, a interpretação conjunta e sistemática da Constituição Federal (Art. 227), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90 – art. 36 e art. 37, §2º) já proíbe a publicidade para crianças (pessoas abaixo de 12 anos de idade).
Isso porque, a Constituição assegura a prioridade absoluta dos direitos da criança, contra qualquer forma de violação a seus direitos básicos, o que é ratificado pelo ECA.
O Código de Defesa do Consumidor, em respeito aos direitos básicos das crianças determinou que é considerada abusiva, e portanto ilegal, a publicidade “Que abuse da deficiência de julgamento e experiência da criança” (37, §2º) e considera também prática abusiva e ilegal “Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade (…) para impingir-lhe seus produtos ou serviços” (art. 39, IV).
Além disso, determina que toda a publicidade deve ser veiculada de forma que o consumidor facilmente a identifique como tal (art. 36).
Considerando as características peculiares das crianças, público alvo da mensagem publicitária, enquanto pessoas que estão em processo de desenvolvimento biopsicológico, e que não possuem ainda todas as condições para perceber as características dos anúncios, como o seu caráter persuasivo e com propósito de vendas, e, também, dependendo de sua idade, que a publicidade é diferente da programação em que está inserida, fica claro que qualquer estratégia de comunicação mercadológica dirigida a crianças viola o princípio da identificação da mensagem publicitária e abusa da ingenuidade, credulidade, deficiência de julgamento, inexperiência da criança.
A publicidade para crianças usa o público infantil como promotor de vendas, sem que ele tenha consciência dessa ação e possa se defender contra isso. E esse tipo de estratégia não é só antiética, por desrespeitar um valor básico da sociedade, que é a proteção da infância, mas também ilegal.
Promoview: Qual foi a base usada pelo Instituto Alana para caracterizar o “Show do Ronald McDonald” como uma ação de marketing da empresa?
Ekaterine Karageorgiadis: São várias as razões. A primeira, é que usa de uma mascote – o palhaço Ronald, que foi criado pela empresa há muitas décadas para convencer o público infantil a consumir os produtos da marca.
O palhaço é um símbolo da marca, em seu uniforme estão presentes as cores que caracterizam a rede de lanchonetes, e também o próprio logotipo da empresa. Impossível não associá-lo ao McDonald’s, onde quer que ele esteja.
Além disso, o show é feito para as crianças terem contato com essa personagem da marca, independentemente do conteúdo que traz: sustentabilidade, corpo humano, esportes ou saúde. O show busca que seja percebido pelas crianças como uma personagem legal, agradável, próxima a elas.
Criada essa empatia da criança com a personagem, ela ficará feliz em reencontrá-la em qualquer outro lugar, como, por exemplo, nos restaurantes da empresa. Outro motivo relevante é a apresentação desses shows em escolas (públicas e privadas, de Educação Infantil e Fundamental), ambiente de sociabilização da criança.
O palhaço passa a ter tanta importância para a criança como os professores, e elas acreditam no que ele fala, e acreditam que é alguém bom, pois estão em um espaço de proteção e cuidado. Diante desses motivos fica evidente a ação de marketing.
A empresa quer cativar as crianças desde muito pequenas, tornando-as fiéis à marca, com quem desenvolveram forte simpatia. Ronald não precisa falar de alimentos para ser o anunciante de uma marca de alimentos. Ele é a própria marca.
Promoview: Não seria de responsabilidade dos diretores das escolas proibirem este tipo de ação dentro das instituições?
Ekaterine Karageorgiadis: Os diretores de escola são atores importantes nesse sistema, e têm a sua responsabilidade, mas não são os únicos atores envolvidos nessa estratégia. A Constituição Federal no art. 227 determina que é dever do Estado, da família e da sociedade em geral garantir a proteção prioritária e absoluta dos direitos da infância.
Então, não basta os diretores proibirem que em determinada escola não será apresentado o show. Todas as crianças merecem proteção. Então, cabe às empresas deixar de usar esse tipo de estratégia para aumentar o conhecimento de suas marcas pelo público infantil, e, consequentemente, aumentar suas vendas; e o Poder Público deve estabelecer regras mais claras que vedem essas condutas abusivas dos direitos e valores da infância.
Às famílias e à sociedade em geral, aí incluídos os profissionais da Educação, deve ser assegurada a informação sobre os malefícios às crianças desse tipo de ação– ainda que realizada sob um aspecto anunciado como educativo, que na realidade não é, para que possam atuar com mais força na proteção delas.
Promoview: A empresa Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda. deu alguma declaração sobre a representação levada ao Ministério da Educação?
Ekaterine Karageorgiadis: Inicialmente a empresa foi notificada sobre os fatos pelo Instituto Alana, e não apresentou qualquer resposta formal. Por essa razão, houve a representação ao Ministério da Educação e ao Ministério da Justiça.
Promoview: A princípio, o foco das criticas é a publicidade infantil. Vocês acham que as ações de marketing estão começando a agir de uma forma camuflada para chegar até as crianças?
Ekaterine Karageorgiadis: Cada vez mais as estratégias de comunicação mercadológica estão interligadas nos diferentes espaços e meios de comunicação a que a criança tem acesso, e vão se tornando mais sofisticadas. Mas, continuam sendo mecanismos de convencimento e promoção de marcas e produtos.
No entanto, muitos desconhecem o que são as estratégias de comunicação mercadológica, que vão além dos comerciais de 30 segundos exibidos na televisão, e quais são os riscos e consequências para o desenvolvimento infantil e a construção de seus valores.
O Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, tem por objetivo, portanto, sensibilizar a sociedade em geral, e todos os atores envolvidos no tema, sobre o impacto do estímulo ao consumismo na infância, e a valorização do ter em detrimento do ser.
Consumismo, materialismo, obesidade e transtornos alimentares, consumo precoce de álcool e drogas, violência, etc, são fenômenos causados, em certa medida, pelo excesso de estímulos de mercado a que as crianças estão submetidas, mas, é muito mais difícil identificar esse intuito persuasivo quando ocultado sob uma ação teoricamente lúdica e educativa, que pode estar presente nas escolas, e também em páginas de internet com jogos específicos para crianças, por exemplo, em que elas têm contato com a marca o tempo todo.
Para se ter uma ideia, a respeito dos shows do Ronald nas escolas, somente no mês de junho e julho foram constatadas, a partir de informações presentes no site da empresa, 69 shows, em 34 municípios, em dez Estados brasileiros de três regiões (Sul, Sudeste e Nordeste).
Os diretores e professores que não estejam sensibilizados para o tema, e desconhecem que se trata de uma estratégia de comunicação mercadológica da empresa para cativar crianças (inclusive bebês de colo) acreditam que seja uma proposta realmente construtiva, já que os shows são anunciados pela empresa como um momento de diversão, brincadeiras, que “aproveitam esse momento lúdico para passar conceitos educativos, com respeito ao meio ambiente, valorização da amizade e da vida ativa e dicas de bons hábitos”.
Muitos pais de crianças muito pequenas sequer vão saber que seus filhos foram expostos a esse tipo de ação durante o seu dia letivo. Mas, certamente, em algum momento, vão sentir o impacto, quando as crianças começarem a identificar a personagem na televisão, nas ruas, nos centros comerciais, nas páginas de internet, nos trailers de filmes no cinema, e começarem a pedir para consumir os produtos vendidos, ou, ainda, a colecionar os brinquedos ofertados nas lojas.
Promoview: Qual a declaração que o Instituto faz para os profissionais da área de marketing e comunicação sobre este assunto?
Ekaterine Karageorgiadis: Que respeitem os valores éticos e os princípios legais que protegem a infância brasileira para que deixem de fazer publicidade para crianças, pessoas hipervulneráveis e hipossuficientes, e se comuniquem diretamente com os adultos, que são os reais detentores do poder de compra, sempre respeitando a ética e os princípios legais que regem a atividade publicitária.
Promoview: Em resposta ao e-mail da redação o Mc’Donalds colocou o posicionamento da empresa.
“A empresa esclarece que os Shows do Ronald McDonald são realizados unicamente com objetivos lúdicos e educativos. Os conteúdos das apresentações transmitem valores que apoiam os pais na educação dos filhos, com temas sobre respeito ao meio ambiente e vida ativa, entre outros.”