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Existirá uma forma de dissociar a Fifa do futebol?

É fácil ser cínico sobre tudo isso, mas o cinismo é um luxo que não podemos mais suportar. Qualquer pessoa prestando atenção às injustiças emergentes no futebol internacional do Século 21 pode ver que os riscos são gigantes para o futebol em si.

A maioria das pessoas associa Fifa, a organização que supervisiona o futebol internacional, com a alegria quadrienal da Copa do Mundo. Mas, com o início do torneio de 2014 esta semana no Brasil, vem à tona com ainda mais força os altos níveis de corrupção e excessos que envergonhariam até mesmo Silvio Berlusconi.

Apesar das propriedades palacianas, aviões particulares e ares pomposos dos líderes atuais da Fifa, a organização realmente tem origens muito humildes. A Fifa foi fundada em 1904 em Paris, como um simples comitê de elaboração das diretrizes para um novo esporte em rápida expansão, quando jogado entre Nações.

Porque foi fundada em Paris, a organização teve sua sigla, Fifa, originária do francês: Fédération Internationale de Football Association. O que começou como um esforço para se certificar de que práticas como agredir um dos adversários não seria visto como uma parte legítima do jogo, se transformou ao longo do tempo em uma das organizações mais bem sucedidas – e de pior reputação – na história do esporte.

Sob a liderança “mão de ferro” de Joseph Blatter, a quantidade de escândalos é tanta que fica até difícil falar em problemas de relações públicas: a organização é a personificação de um antiexemplo de relações públicas.

Blatter sucedeu seu mentor, também atormentado por escândalos, João Havelange, em 1998. Sob a sua direção, funcionários foram acusados ??de má gestão financeira, de aceitar subornos e projetar um nível de sexismo e homofobia que parecem ter séculos de existência.

Ilustração: Jean Jullien.

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A corrupção da Fifa é o segredo mais popular do mundo, há tantos anos, que quando surgem novos relatórios, eles tendem a provocar mais “Ah, mais um escândalo” do que indignação.

A organização deveria policiar os resultados das partidas, mas uma investigação do New York Times revelou que apenas seis pessoas em seu quadro funcional de 350 são responsáveis ??por essa fiscalização. Dos escândalos mais recentes, estão as acusações de subornos que teriam garantido a Copa do Mundo para o Qatar em 2022.

O chefe do próprio Comitê Independente de Governança da Fifa (que foi recentemente dissolvido) sugeriu a realização de uma nova votação para o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022.

Já representantes da Federação de Futebol Europeu ameaçaram protestar contra o Blatter quando ele declarou sua intenção na última semana para tentar concorrer a mais um mandato como o todo-poderoso da Fifa.

É fácil ser cínico sobre tudo isso, mas o cinismo é um luxo que não podemos mais suportar. Qualquer pessoa prestando atenção às injustiças emergentes no futebol internacional do Século 21 pode ver que os riscos são gigantes para o futebol em si.

No Brasil, o impulso para construir novos estádios em um ritmo alucinante levou à morte nove operários da construção civil. Exigências da Fifa para a segurança e infraestrutura podem acabar deslocando até 250.000 pessoas pobres, que vivem nas favelas que cercam centros urbanos do Brasil.

O custo dos jogos continua a subir alcançando cifras na ordem de 15 bilhões de dólares. O próprio Romário, estrela da Copa do Mundo de 1994 pelo Brasil, chamou a Copa deste ano de “O maior assalto da história do Brasil.”

A situação é ainda pior no Qatar, local da Copa do Mundo de 2022. Centenas de trabalhadores migrantes já morreram nos esforços do reino do óleo para a construção de novos “estádios de qualidade Fifa”. Isto, junto com alegações de suborno recentes, levou alguns funcionários da Fifa a falar abertamente sobre a mudança do evento para uma nova localidade. O próprio Blatter agora diz que dar a taça para o Catar “foi um erro”.

Durante décadas, a Fifa entrou em algumas das principais nações do mundo, com a sutileza de um elefante numa loja de cristais, causando danos catastróficos, e a cada quatro anos repete os danos de forma imparável.

Como o jornalista uruguaio Eduardo Galeano escreveu em seu clássico livro “Futebol no Sol e Sombra”, “Há ditadores visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol mundial é monárquico. É o reino mais secreto do mundo.”

No entanto, pela primeira vez, este reino secreto está sendo arrastado das sombras. No Brasil, os professores em greve, seguranças, bombeiros e motoristas de ônibus estão exigindo “salários de qualidade Fifa”. Ativistas estão ocupando terras e pedindo “casas de qualidade Fifa”, enquanto as enfermeiras chamam de “hospitais de qualidade Fifa”.

Finalmente, o mundo está vendo a Fifa como ela é: um conglomerado apátrida que recebe subornos ao atuar como um aríete para os líderes mundiais que querem usar a majestade da Copa do Mundo para fazer passar as suas agendas de desenvolvimento com grande custo humano.

As pessoas não têm de ser deslocadas e os trabalhadores não precisam morrer para o futebol. A Copa do Mundo pode ser encenada em países com estádios e infraestrutura existentes. Além disso, o processo de licitação secreta para países de acolhimento tem de acabar para que o futebol não seja usado com fins econômicos e políticos.

O futebol Internacional precisa desesperadamente de dois núcleos inteiramente distintos. Um seria encarregado de monitorar e realmente acabar com a corrupção, suborno e resultados viciados.

O outro pode estar no comando, nas palavras do antecessor de Blatter, João Havelange, de vender “um produto chamado futebol.” Um núcleo diretivo responsável pelo dinheiro, que garanta que não está havendo desvios e roubos.

O futebol é, sem dúvida, o esporte mais popular do planeta. Mas uma sociedade corrupta como a Fifa não pode mais funcionar em um mundo WikiLeaks. Já passou da hora de aboli-la. Ela é para o futebol como um membro gangrenado que requer amputação antes da infecção se espalhae. Ou corremos o risco de perder o futebol, paixão mundial. Temos que lutar pelo futebol. Já a Fifa, está na hora de pegar na sua bola, sair de campo e ir para casa.

Publicação original em inglês, do The New York Times, por Dave Zirin.

Dave Zirin é o autor de “Dança do Brasil com o Diabo: A Copa do Mundo, as Olimpíadas e a luta pela democracia.”