Experiência de Marca

Ciberspaço e cibergifting

Desde os primórdios, até hoje em dia, sempre fomos motivados por objetos de desejo e de afeto, que nos estimulam a conquistá-los, obtê-los, organizá-los, possuí-los.

Por Marina Pechlivanis.

“A prosperidade das nações, das regiões, das empresas e dos indivíduos depende de sua capacidade de navegar no espaço do saber”. Pierre Lévy, filósofo.

Vivemos de trocar.

Sentimentos, objetos, técnicas, conteúdos, informações que se amplificaram e sofisticaram de acordo com nossos espaços de pertencimento e interação. Desde os primórdios, até hoje em dia, sempre fomos motivados por objetos de desejo e de afeto, que nos estimulam a conquistá-los, obtê-los, organizá-los, possuí-los.

No princípio, havia a época da Terra primordial, pertencente ao cosmo e cercada pela natureza instável e adversa, que a humanidade tentou entender com ferramentas de defesa e subsistência e com objetos de proteção: ritos e mitos tridimensionalizados em amuletos, totens, talismãs.

Depois, veio o tempo do Território, quando o homem acreditou domar a natureza com a agricultura, que propiciou a estruturação de cidades e, com o assentamento em uma região fixa, a organização de registros do conhecimento pela escrita, o que gerou a valorização dos objetos de acordo com a sua origem, cuja posse atribuía poder e distinção social.

A partir de então, a transformação do território em fluxos: econômicos, de capitais, de matéria-prima, de informações. Objetos são massificados e ressignificados em uma nova escala de valores, muito menos utilitarista e muito mais associada aos desejos criados pela mídia.

A identidade social depende da inserção neste Mundo das Mercadorias: para além de uma posição na Terra (um nome, uma linhagem) e no Território (um endereço, uma adesão política), se faz necessário um lugar no Mercado (uma profissão, um perfil de consumo).

Hoje, estamos em pleno Ciberespaço, nas infovias do conhecimento, na Era do saber. Existimos de acordo com o que compartilhamos, e estabelecemos assim um novo circuito de trocas: uma socialidade do saber, que nos transforma contínua e rapidamente. Nos faz nômades novamente pois o mundo não para de mudar a nossa volta; logo, mesmo sem querer e mesmo sem sair do lugar, estamos mudando com ele em paisagens de experiências, de sentidos, de negociações, de relações.

Vivemos, como declara Pierre Lévy (A Inteligência Coletiva), em uma “transformação contínua e rápida das paisagens científica, técnica, econômica, profissional, mental” que definem “novas estruturas de comunicação, de regulação e de cooperação, linguagens e técnicas intelectuais inéditas, modificação das relações de tempo e espaço”.

Porém, atenção: mudam-se os tempos e adaptam-se os hábitos de consumo perante as ofertas do momento, mas as pessoas, na ciclovia ou na infovia, mantém a sua essência: precisam se reconhecer pelo outro e por si, nas trocas que efetivam. E mais: os processos mitológicos, de valoração territorial, de insight midiático ou o que mais vier, coexistem.

Exemplos? Um prosaico: os cartões postais, souvenires de viagem e credenciais de status, de cultura e de prosperidade. Antes, eram objeto de desejo — quem é que não gostava de enviar e de receber, e quantas histórias não contaram? Hoje, são raridade, artigo de colecionador.

Estudos indicam que as vendas caíram 30% nos últimos dez anos. Mas as pessoas não deixaram de criar marcos para as suas viagens; apenas mudaram a forma de fazê-lo: usam câmeras digitais ou mesmo celulares. Postais viraram posts, partilhados nas redes sociais e customizados. Logo, a necessidade de se expor é a mesma, apenas se adaptou à tecnologia vigente.

Falando em foto, antes as pessoas se reuniam quando voltavam de viagem, e mostravam seus álbuns para os familiares e amigos. Hoje, está tudo na web, à espera de um negócio lucrativo: quem não quer tentar a sorte e conseguir, das férias com as crianças, um novo “Charlie Bit My Finger”, o vídeo não comercial mais visto da história do YouTube com mais de 425 milhões de repetições?

Reprodução do vídeo 'Charlie Bit My Finger'.

É, promonautas.

Está tudo virtualizando e viralizando, mas ainda hoje há quem pague R$ 2.600,00 para um dos 500 exemplares do livro Carte Blanche, que o americano Jeffery Deaver escreveu sobre o agente 007 James Bond, em edição especial de luxo que vem com furo de bala e, de gift, a reprodução de um Bentley em miniatura. Para quê? Para mostrar aos demais o seu poder, seu prestígio, seus acessos, seus gostos.

E há quem vá à inauguração de uma boate para concorrer ao sorteio de uma mulher, como ofereceu a 100 Limite Drinks, de Batatais, em sua inauguração. Para quê? Pelos mesmos motivos: poder, prestígio, acessos, gostos.

Em resumo: trocar, dar, receber, retribuir, ressignificar, compartilhar faz parte do nosso processo civilizatório.

O-ou! O gifting também!