Experiência de Marca

Ronaldo Ferreira: Agora é hora de cuidar das pessoas. Depois vamos refundar nosso mercado

Sócio-fundador da um.a avalia o momento e sugere caminhos para o futuro.

Ronaldo Ferreira Jr. é um dos grandes pensadores do mercado das agências especializadas. Cinco anos atrás, sob sua orientação, o mercado fez o movimento mais assertivo da sua história decretando os Princípios de Valor*.

Depois, frente à sua agência, realizou o mais representativo pivô dos últimos tempos transformando a Agência Um em um.a  oferecendo à empresas de todos os portes e segmentos a possibilidade de enxergar melhor a realidade diversa em que elas estão inseridas, e, a partir disso, criar estratégias para incluir as diferenças no ambiente e na estratégia de negócios.

Nesta entrevista ao Promoview ele fala com transparência sobre os bastidores e dores da um.a e oferece uma opinião ampla e inspiradora.

Promoview: Como você avalia o futuro das ações de experiência com as marcas,  atividade que vinha sendo estratégica, com grande utilização pelo marketing  e que agora precisa conviver com os impactos deste momento?

Ronaldo: O formato de comunicação que desenvolvemos é fruto destes tempos de mudança. Temos que ajustar o foco no presente, planejar o futuro e esquecer o retrovisor. Grande parte das agências associadas a Ampro ainda entregam muitas soluções que respondem a “Por quê” e não “Para quem”. 

Nestes novos tempos, as soluções precisam fazer sentido para as pessoas. Primeiro temos que resolver as dores delas, só assim, e, por consequência, resolveremos as dores do negócio. E neste conceito tem muita esperança para o nosso mercado. Por que nenhuma indústria tem a experiência e o potencial de promover transformação como a nossa.

Promoview:  Para chegar lá, quais atividades produtivas a sua agência está realizando neste período?

Ronaldo: Temos fees de comunicação e administração dos eventos de alguns clientes e já estamos criando e entregando alguns eventos virtuais. Mas ainda não passa de 10 a 15% de nosso volume mensal.

Promoview: É um baque que exigirá grande capacidade de gestão. Vocês contam com auxílio governamental?  

Ronaldo: É complicado usar alguns recursos, pois pela faixa de faturamento e salários, o impacto seria menor que todo o trabalho que teremos na implantação. Também falta clareza do que podemos ou não fazer. Não estamos conseguindo informações mais detalhadas por parte do governo e o nosso sindicado está travado, não conseguindo operar com tamanha demanda. Precisamos ter paciência para não tomar decisão errada. Mas vamos usar todas as reduções/adiamento possíveis de impostos  e acordos de reduções salariais.

Estamos também usando as referências de taxas reduzidas do mercado parda negociar melhor com as instituições financeiras que trabalhamos.

Promoview: Governo à parte, sua agência tem um modelo definido, dimensionado para estes tempo de home office e com alguns objetivos. Conte um pouco deste funcionamento.

Ronaldo: O home office tem funcionado muito bem por aqui. Às vezes até melhor, pois conseguimos impor mais uma pauta e também um tempo para que cada um se manifeste. Formamos por aqui praticamente 3 comitês:

Um que cuida do orçamento de 2020 (que responde por saber o que temos para receber e o que temos que pagar). Este é o comitê da economia total – De cortar tudo o que for possível, para não termos que impactar no corte de pessoas. Ou para que este impacto seja o menor possível.

Outro comitê que cuida de manter nossos clientes assistidos – Para entender as dores atuais e para entregar os projetos que já estamos fazendo, principalmente de comunicação ou eventos virtuais.

E um último comitê para repensar nossas soluções, já pensando no retorno das atividades a um novo cenário que vamos encarar.

Aqui na um.a, sabemos que não vamos voltar ao normal dos negócios, e, sinceramente, nem sabemos mais se desejamos voltar àquele normal.  Somos bem focados em estratégia de negócios neste formato de comunicação que, sabemos, atingiu a maturidade e veio para ficar. E fazemos parte de um movimento #jobentreguejobpago que deseja e merece um mercado que tenha mais respeito do cliente pela nossa atividade.

Promoview: Como a agência está encarando esse período de pandemia? Na parte prática, como o trabalho tem funcionado?

Ronaldo: O caminho que trilhamos aqui na um.a foi de primeiro antecipar e zerar férias e banco de horas. Em seguida, para este mês de abril reduzimos em 25% a remuneração de todos os colaboradores, assim como respectivamente a carga horária de trabalho. Por enquanto conseguimos não dispensar, mas não sabemos por quanto tempo vamos conseguir manter todos. Percebemos que as agências estão dispensando em 20 e 50% de seus colaboradores, e nós entendemos, pois tomar uma decisão radical assim não depende só da saúde financeira da agência hoje. 

Esta é uma decisão que deve impactar e refletir as despesas de todo o ano de 2020, pois será um ano de receita quase zero. Só temos que lembrar que, muitas vezes, pagar os altos encargos da dispensa de um colaborador, pode ser mais caro para a agência, do que mantê-lo com salário reduzido ou em licença remunerada por alguns meses. Desta forma ajudamos com salário parcial e sempre mantendo os benefícios.

Promoview:  Como você está percebendo a atitude do marketing das empresas que contratam os serviços da sua agência?

Ronaldo: Percebemos agora, nesta última semana, nos posts das redes sociais, grandes executivos, de famosas empresas, orgulhosos da ajuda que suas empresas estão fazendo aos hospitais ou as comunidades mais carentes.  

Claro que isso é muito legal, mas soa muito incoerente, quando dentro de casa, esta empresa exige que seus fornecedores financiem seus projetos em 90, 120 ou 180 dias. Então, todos percebem que tem algo estranho. E as respostas nos feeds deste tipo de postagem mostram que nem tudo é tão legal assim. Ainda parece aquele tipo de marketing antigo, onde eu ajudo aqui com interesse que todos vejam como em sou uma empresa legal. 

Quando uma grande empresa, que precisa dar o exemplo (porque tem mais fôlego para sustentar e ajudar toda a cadeira produtiva que a cerca), obriga a agência que cuida dos seus eventos, promoções, trade ou incentivos a financiar todos os custos da operação de um projeto antecipadamente, e só remunera esta agência com 90, 120 ou 180 dias… esta mesma grande empresa mostra que não é tão legal assim. 

Pois, com seu comportamento predatório, está inviabilizando as condições de sua agência, obrigando que ela reduza ou feche sua operação, e, de alguma forma, está incentivando que sua agência explore da mesma maneira todos os demais fornecedores envolvidos no evento (que geralmente são pequenos e frágeis). E, finalmente, faz com que sua agência demita seus colaboradores, abandonando-os em um mercado sem novas vagas de trabalho.

Isso não é bom, nem para a grande empresa, pois este, é um tipo de conta que nunca vai fechar. Pois colaborador sem emprego não tem dinheiro para ser cliente dos produtos e serviços da grande empresa.

Promoview: Há cinco anos você liderou um processo dentro da Ampro chamado ‘Princípios de Valor’. Andou pelo Brasil, realizou vários workshops. Além disso, foi colocado em pratica o projeto ‘Fala Mais’, para que houvessem relatos de situações fora das recomendações como as que você citou. O que ficou de residual daquele movimento? Pela sua experiência, o que deve ser feito neste momento em que o mercado se mostra novamente inquieto em relação a tudo isso?

Ronaldo: Penso que ali, naquele momento colaborativo sobre os princípios de valor da Ampro*, criamos uma consciência coletiva do que era bom para o nosso mercado. Entendemos que quando temos um norte a seguir, redefinimos inclusive o inimigo a combater. 

Tivemos a oportunidade de mostrar reais oportunidades de ganhos para profissionais, agências, fornecedores e clientes. As agências ganham um mercado mais organizado, saudável e justo para competir; os fornecedores ganham uma cadeia mais forte para suprir; os clientes ganham soluções mais eficientes e uma conta menor para pagar; e os profissionais ganham um cenário mais seguro e promissor para desenvolver suas carreiras.

Acho que evoluímos muito a partir de então. Hoje conseguimos perceber claramente quando um cliente ou uma agência estão agindo de forma predatória em relação ao mercado. Isso antes ainda gerava dúvida.

Aquele momento ativou a conscientização e está mostrando ainda mais valor agora porque mostra ao mercado, aos interlocutores, que não se trata de oportunismo momentâneo. Então, será mais fácil nossos parceiros e clientes assimilarem que não dá mais para faturar 120 a 180 dias para as maiores empresas do mercado participar de processos de concorrência com 8,10 agências. 

É hora de refundarmos um mercado mais organizado, saudável e justo. As agências renascerão bem mais enxutas. Não teremos infraestrutura para criar projetos para serem descartados por excesso de ideias oferecidas nos BIDs. Penso que este tempo de desperdício deve acabar.

Promoview: Esta é a bala de prata… Quais devem ser os impactos na economia do mercado das agências e fornecedores especializados em curto, médio e longo prazo?

Ronaldo: Muito grande. Aqui sempre tivemos a cultura de manter 3 meses de caixa para suportar oscilações do mercado, ou “caixa forte” que precisamos ter para financiar as operações dos clientes. Mas sabemos que esta não é uma realidade nas pequenas, médias e grandes agências.  

O Covid-19 nos atingiu em um momento de crise, com eventos decolando e com boa demanda, mas budget bem mais baixos que nos anos anteriores. Um pouco antes teve ainda o cancelamento do Salão do Automóvel… então as empresas estavam rodando com ¼ ou menos de tanque de gasolina. Minha análise é que as coisas por aqui voltarão ao normal no 3º trimestre, para que possamos faturar e aguardar um aquecimento nos últimos meses de 2020 e janeiro de 2021. Então, temos um grande desafio pela frente.

No curto prazo temos que ter calma para pensar e repensar o nosso negócio. Calma para fazer contas, calma e boa vontade para trocar experiências com outras agências. Disciplina para se aproximar de nossa associação, a Ampro, que está lá, neste momento 100% focada em reunir as melhores práticas para proteger toda a cadeia envolvida em nossa indústria.  

Como eu sempre falo, esta não é uma crise que nós empresários somos culpados por gestão. Esta é uma crise de saúde global, não é individual ou pessoal. Então não vamos conseguir sair sozinhos disso. Então não bata a cabeça, não tente criar a roda ou fazer experiências. Se aproxime de seu mercado.  Só de forma coletiva vamos conseguir sair dessa…. E para melhor.

 *Clique  aqui e veja como foi o movimento dos Princípios de Valor. E aqui.