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Siga conteúdos, não pessoas

A rede social passou a ser um verdadeiro feed de notícias.

Antes de você começar a ler, esse não é mais um texto que só reexplica o movimento do Facebook, ou que afirma que já sabia tudo sobre a movimentação da empresa antes mesmo de ter acontecido, mas sim que aproveita o momento para uma rápida análise sobre a evolução das redes sociais (ou não sociais), do conteúdo e de como as placas tectônicas que servem de alicerce para o mundo digital podem estar passando por movimentações, e permitindo a erupção de novas oportunidades.

Antes de falar especificamente sobre metaverso, que já falamos muito por aqui, ou mesmo sobre tecnologias imersivas, hologramas, realidade virtual ou aumentada, itens que estão diretamente relacionados ao novo projeto do Facebook, vale resgatar o que pode estar por trás da movimentação de uma das maiores empresas do planeta.

Do social ao conteúdo
Fazia muito tempo que o assunto redes sociais não ficava tão em evidência como nas últimas semanas. Entre a tão esperada mudança de nome do Facebook, até as novidades de aquisição do Twitter, passando pelo contínuo crescimento do TikTok (que ameaça o YouTube), tem sido difícil olhar para fora das redes. A nossa pergunta de hoje, no entanto, é diferente: com o boom dos feeds personalizados, e os algoritmos super perspicazes (tema super criticado na Ghost Interview desta semana), será que as redes sociais não viraram antissociais? E se as redes deixam de ser sociais? Começaremos a ver um “Efeito de conteúdo”?

Reagrupando os (des)conhecidos

Sabe aquele app que você só usa porque todos os seus amigos estão usando; e só continua a usar porque, se sair, vai perder todas as suas conexões que continuarão por lá? Pois é, isso se chama “Network Effect’, no bom português: o efeito de rede. Ele foi uma das razões para o sucesso explosivo do Facebook em 2004. Os universitários queriam estar nesta rede para ver o perfil dos amigos e esses amigos (e conhecidos, e colegas e depois, familiares), também só estavam ali para conversarem uns com os outros. 

Segundo o próprio Zuckerberg, em sua carta aberta ao mercado, quando o Facebook foi criado o objetivo era conectar, ou reconectar, pessoas para se atualizarem, interagirem e criarem novas conexões. O foco dos algoritmos era justamente esse, apresentar ali em sua linha do tempo a foto de alguém que você olhasse e pensasse, “Nossa! Olha só! Não acredito!!! Quanto tempo…”, e a curiosidade de saber se casou com aquele casinho do colégio ou se teve filhos, etc., iam estimulando o comportamento de colecionar os amigos para “bisbilhotar” e ficar atualizado sobre a vida dos outros. 

Era uma época na qual tínhamos um acumulado de pessoas que já havíamos conhecido no mundo real mas sem necessariamente ter uma rede de contato para atualizar com frequência  e em tempo real no mundo digital. 

Pense no começo das suas redes sociais, o Facebook ou o Orkut (#deixandoescaparaidade) e até o início do Instagram: você só seguia quem você, de alguma forma, conhecia ao vivo. Ou já tinha conversado, nem que fosse de maneira digital. 

As redes serviam também como uma forma de criar reencontros em quem já se conhecia (as histórias de familiares perdidos que se reencontraram usando as redes são inúmeras).
 

Novos canais, novos amigos e novos algoritmos
E então, em algum momento lá perto de 2010, a função das redes mudou. De um lado, aquele monte de curiosidades sobre amigos e conhecidos que não tínhamos contato foi diminuindo. E os posts sobre “amenidades” cotidianas de pessoas “normais” passou a não ser mais interessante. Aquela paquera do colégio, que você está sem notícias, agora posta as mesmas fotos que você, seus amigos e familiares… comidas, cachorros, filhos etc. (disputando sua atenção com Round6, diga-se de passagem… mas já voltamos nesse assunto). 

Com isso, dois movimentos aconteceram; de um lado, as relações com as pessoas mais próximas e íntimas foram migrando para redes mais fechadas, e isso pode ter um pouco a ver com a entrada de recursos como mensagens e grupos de interesse, lançadas pelo FB, entre 2010 e 2011 e o próprio boom do WhatsApp. 

Do outro lado, essas redes que inicialmente surgiram para te reconectar com conhecidos do passado passaram a servir como a famosa “espiada pela fechadura” de pessoas que você não necessariamente conhece; e isso vai de alguém que você já via na academia, até celebridades mundo afora. 

Além de toda a questão sociológica por detrás dessas vontade do ser humano de bisbilhotar o mundo alheio, nasceu aí um novo desafio para os algoritmos. Que tiveram de reaprender a criar conexões e sugestões. Não mais pautadas por pessoas que você conhece, mas sim por assuntos e conteúdos que te engajam mais. 

A gente já comentou por aqui sobre como os feeds mudaram toda a forma que a gente organiza a nossa rede social e, a partir da nossa interação neste espaço, o que ocorreu foi que o algoritmo passou a “entender” o conteúdo que a gente gostava e, para manter o engajamento e o nosso tempo naquela rede, passou a oferecer mais daquele conteúdo, e não exatamente das pessoas que conhecíamos. 

Um exemplo bom disso é o TikTok; dentro do conteúdo que você consome, quanto é produzido por seus amigos? E quanto disso são conteúdos irresistíveis de pessoas de locais completamente aleatórios mundo afora? Se de certa forma, o YouTube já era assim, com foco no conteúdo, mas menos com o formato de “rede social”, ou então com o modelo de consumo curto e focado em mobile, o TikTok ampliou tudo isso…

Social e conteúdo: de um a muitos
Voltando rapidamente ao Facebook. Justamente quando as fotos da(o) ex-namorada(o) ou paquera do colégio deixaram de ser interessantes, a rede social começou a apostar na inclusão de conteúdo nas timelines. Num movimento que criou enormes desafios para os produtores de conteúdo, a rede social passou a ser um verdadeiro feed de notícias, permitindo que, em um único local, você se atualizasse sobre os amigos (ou quase amigos, ou conhecidos), sobre as notícias e com uma pitada de entretenimento (isso sem contar as marcas). 

O movimento que com certeza ajudou a remeter alguns usuários, tinha um efeito colateral, para ler notícias, ou consumir conteúdos diversos, de pessoas que eu não conheço, não necessariamente todos precisam estar na mesma rede… 

O que aconteceu com o consumo de conteúdo é que ele começou a ser não apenas por pessoas, mas por assuntos… E esse movimento fica mais evidente se entendermos redes como Tumblr e Reddit, e o movimento, pouco tempo atrás, do Facebook fazendo propagandas dos Grupos do Facebook, ou seja, posicionando a rede não mais como um “reencontro com os amigos”, mas sim como, um encontro de seu espaço e de sua comunidade. 

O próprio Jack Dorsey, fundador do Twitter, já disse que uma das mudanças que ele teria feito na sua rede seria uma lógica menos voltada a seguir pessoas e mais a seguir assuntos. Outro exemplo de boom recente? O próprio Clubhouse, que apesar do “voo de galinha” teve como um dos seus alicerces o foco em conteúdos (salas) e não necessariamente em pessoas.

Tudum, ou melhor, Tipaf nas Redes
O grande ponto é que, conforme as redes foram migrando para consumo de conteúdo, não necessariamente por pessoas de uma mesma, vejam só, rede, a competição por tempo e atenção colocou no mesmo balaio Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, Netflix, Amazon Prime, Twitch, Clubhouse, Podcasts e muitos mais… 

E como sabemos que nosso dia continua com 24 horas… as horas a fio que ficávamos no Face foram perdendo espaço para suas séries favoritas… O Facebook até tentou, e na verdade continua tentando, seu espaço com o Watch, mas provavelmente boa parte de vocês que estão nos lendo aqui não sabiam da existência ou acessam poucos conteúdos por ali. 

Nesse meio tempo, os algoritmos mudaram, e os conteúdos também e, o mais importante, ressurgiu o espaço para os nichos. Se antes era inadmissível entender por que uma pessoa não estaria no Facebook e sim numa rede fechada de um grupo específico, e por consequência, isolada no resto do mundo digital, temos hoje um cenário que vem derrubando o “vencedor leva tudo” e abrindo espaço para que grupos de pessoas, interesses, assuntos, possam ter suas próprias redes, formatos e canais, sendo mais acolhedores e gerando uma maior experiência e engajamento para cada um.

Qual a Meta? O Shopping Center do Digital
Pensando assim, o Facebook de certa forma está voltando às suas origens na Meta, com objetivo de criar um senso de comunidade e “afeto virtual”, o conceito de Metaverso, apesar de novidades tecnológicas, tem em sua essência um propósito mais amplo, posicionar o Facebook menos como uma “lojinha” para você gastar seu tempo, e mais como um “Shopping Center das Lojinhas de Tempo”. 

Sim, um Shopping Center no qual a Netflix e a Amazon Prime poderiam ser um cinema, o Spotify poderia ser um Festival de Música, o Twitch, o Hotzone, o Rappi e o iFood seriam a praça de alimentação e por aí vai, tudo acontecendo dentro de um ambiente virtual, e controlado… Ou seja, um movimento inteligente de se posicionar, não mais como o concorrente de todos os players que estão chegando, mas sim como o agregador dessas novas atividades. Ou seja, deixar de ser competidor e começar a ser um ecossistema, novamente… Só que desta vez, uma B2B-Network.