Por Gabriel Cal
Entender as pessoas sempre foi o core business dessa coisa de ser publicitário. Mais ainda como planejadores. “O consumidor é a sua esposa”, disse um dia David Olgivy, e hoje ele completaria com “e ela não está no escritório”. Em algum momento essa cultura se perdeu nas horas de overwork e nos pranchões das salas dos prédios corporativos.
Agora só se fala disso, de novo. Fala-se e pouco se faz (salvo raros casos, de líderes de equipe que tem trabalhado para reavivar esse hábito). Nós ainda nos escondemos atrás das desculpas mais batidas: não tenho tempo ou o chefe não deixa.
Ao perder o contato com o mundo lá fora, acabamos perdendo uma das coisas mais importantes do “ser planejador”: a observação do cotidiano. Somos tão cobrados por ideias inovadoras e conceitos arrojados que nos distanciamos mais e mais da obviedade do dia a dia.
O que me inspirou a escrever esse relato foi uma serendipidade que ocorreu justamente ao levar a equipe da agência pra rua. Conto:
Fomos em um grupo de 12 criativos e planners visitar o Museu do Futebol. Muitos da equipe nunca haviam tido a oportunidade de conhecê-lo e decidimos organizar a “excursão” – ir pra rua.
O Pacaembu é daquele jeito que todo paulista conhece: uma incógnita em relação aos serviços públicos, e fomos contemplados com uma queda de energia sem previsão para o regresso. Depois de uma hora e meia aguardando, decidimos visitar a feira da praça Charles Miller e comer um pastel.
No início da praça existe uma rua de barracas que vendem exclusivamente pastel de feira e os refrigerantes/sucos/caldos de canal. São quatro barracas de pastel intercaladas por quatro barracas de bebidas – e uma aula impagável de varejo em pleno dia. Tiramos três preciosas lições dessa visita:
1) Estude a jornada do seu consumidor para posicionar seu produto na gôndola. Os carros que visitam o Museu do Futebol estacionam do lado esquerdo da feira, por isso, o consumidor chega à rua dos pastéis por aquele lado. Para os consumidores incautos, como nós, não fazia diferença qualquer uma das barracas ali e por isso a maior concentração de pessoas se dava na primeira e segunda barracas da esquerda para a direita.
2) Comunique bem seu key selling proposition. Algumas das pessoas do meu grupo comeram na primeira barraca, algumas decidiram comer na segunda – a Barraca da Maria. Ao sentar nela vimos um anúncio da “Veja Comer e Beber” dizendo que ali estava o melhor pastel de São Paulo. O mesmo se repetia na Kombi parada ali atrás. Pequeno, quase sem comunicação. Quem não havia decidido ainda pelo pastel migrou para lá, mas a Maria perdeu uma porção considerável de consumidores que já haviam feito o pedido na primeira.
3) Preço é importante, mas não é tudo. Curioso com essas observações, decidi comer meu segundo pastel na terceira barraca da rua. A barraca do Zé. O mesmo pastel saia 50 centavos mais barato, um desconto de quase 15% no preço total do produto. Além disso, a barraca do Zé havia sido escolhida pela mesma “Comer e Beber da Veja” como o melhor pastel do ano anterior. Infelizmente, ninguém via o Zé. E se mesmo com todos esses benefícios ninguém via o Zé, como vocês acham que estava a quarta barraca de pastel, na extrema direita da rua? Completamente vazia.
Ir pra rua, mesmo quando tudo dá errado, pode ser um reencontro com algumas noções básicas e óbvias que perdemos contato vivendo todos os dias calcificados dentro do ambiente da agência.
Por isso, incentive sua equipe a tirar um tempo do dia passeando. Nem que seja pra ir tomar um café no Starbucks do shopping. Sempre há algo novo para aprender, ou alguma lição para relembrar, do lado de fora dos vidros altos dos prédios comerciais.