Experiência de Marca

Sede de gifting - Por Marina Pechlivanis

<em>Gifts</em>, dependendo da forma como são planejados, são poderosíssimos. Primeiro, por despertar desejos — de conhecimento, de contato, de aquisição, de posse, de coleção.

Marina Pechlivanis*

Gifts, dependendo da forma como são planejados, são poderosíssimos. Primeiro, por despertar desejos — de conhecimento, de contato, de aquisição, de posse, de coleção. Então começa a articulação de afetos, integrando aos poucos a sua existência às rotinas daquele que o adquiriu. É a fase da convivência.

Passada esta etapa, dá-se a entrada no universo particular — uma conquista rara e valiosíssima de apreço, criando alto valor simbólico para objetos, experiências e sensações.

Neste momento, a credibilidade do gift chega ao seu momento máximo. Passa a tocar, no sentido literal e no sentido figurado, pois um gift sabe como ninguém fazer moda, mobilizar e fazer vendas. Daí sua vasta circulação como porta-voz de questões comerciais, culturais e sociais.

Peguemos o exemplo da sustentabilidade, que já teve seu auge e virou uma fórmula, que já vem com kit de implementação: texto emocionado; papéis específicos para impressão; gifts ecológicos para relacionamento; até comida eco-friendly tem.

Há alguns anos, foi feita uma intervenção na SPFW distribuindo um copo plástico com apenas 1/3 de água, em uma campanha sobre conscientização ambiental. Distribuídos por promotoras, algumas pessoas pegavam os copinhos personalizados, davam um golinho e jogavam fora, com água e tudo. Outras tantas, com sede, pegavam dois ou três copinhos.

Será que a logística teve volumes ampliados na cubagem, interferindo no transporte? E a limpeza do espaço, será que foi ampliada devido aos copinhos jogados no chão? O fato é que virou notícia, com repercussão global e tudo. Ganhou prêmios, por certo, e a execução foi primorosa. Mas, fazendo as contas, foi uma ação sustentável ou apenas a promoção de uma causa sustentável?

Este ano, no Dia Mundial da Água, um jornal aproveitou a mesma estratégia e distribuiu nas ruas copinhos cheios de água, sem personalização nenhuma.

Um ritual gentil, por certo, de entrega simpática, especialmente considerando que se tratava de um dia deveras quente. Mas, daí para ter um vínculo com a causa ambiental… é outra história.

A água está acabando e devemos usá-la com racionalidade. Agora, transformá-la em um item promocional, como veículo da mensagem, é uma estratégia passível de discussão.

Falando em sensações e experiências, outro exemplo: a Exposição “Água na OCA”. Intervenções culturais curiosas. Intervenções artísticas primorosas. Intervenções de marcas…

Vejam só: empresas que dependem de muita água para viabilizar os produtos e serviços que comercializam darem dicas para os consumidores sobre como evitar desperdícios na hora de tomar banho ou de dar descarga, ao lavar o carro ou se divertir na piscina… É educacional, é importante, mas não é um tanto paradoxal?

O consumidor tem a sua carga de responsabilidade, mas certamente o gasto das corporações é geometricamente maior. Sim, estão patrocinando a reflexão sobre a causa – o que é louvável — , mas a bandeira, para se tornar mais factível, deveria primeiramente estar vinculada à postura da corporação, às suas práticas industriais e de comportamento interno.

Material para trabalhar tem muito: segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), uma pessoa precisa de cerca de 110 litros de água por dia, para higiene e consumo geral; o brasileiro chega a gastar o dobro deste volume. Atualmente um milhão de pessoas não tem acesso à água. Em 2025, cerca de três bilhões de pessoas sofrerão com a sua escassez considerando o cenário de hoje: mudanças climáticas, secas, aumento populacional e de urbanização, produção descontrolada de lixo e má gestão dos recursos naturais. Ora, já é uma inspiração e tanto para praticar o gifting — dar alguma coisa para receber outra em troca: uma postura, uma mudança de comportamento, uma reflexão sobre a causa.

Campanhas vinculadas a causas? Não vá com sede ao pote.

Reveja seus processos e analise causas e consequências para que o discurso da sua ação não vá por água abaixo.

Marina Pechlivanis é sócia-diretora da Umbigo do Mundo, Mestre em Comunicação e Consumo pela ESPM, coautora do livro Gifting (Campus Elsevier, 2009) e integrante do GEA (Grupo de Estudos Acadêmicos Ampro).