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Posicionamentos das gigantes: o que difere a Nike da Pepsi?

A polarização está cada vez maior nos dias de hoje e as marcas devem pensar muito bem antes de se posicionarem perante assuntos polêmicos. E a Nike o fez com maestria.

Com um ambiente social e político em fervura constante e o senso comum virado de pernas para o ar, as marcas estão sendo confrontadas com uma nova realidade: elas devem tomar posição em questões polêmicas?

Ou devem se manter nas laterais, para não ofender nenhum potencial cliente? E se decidirem tomar partido, como fazê-lo sem cair no ridículo? A politização do marketing nesta era de guerreiros da justiça social, munidos de #hashtags e transmissões ao vivo, é um efeito fascinante.

A Pepsi nos mostrou no ano passado como é perigoso quando as marcas se metem por caminhos apertados ao escolher influenciadores digitais sem substância, que aparecem de pára-quedas em assuntos aos quais não têm qualquer ligação.

Por outro lado, a Nike ensinou nas últimas semanas como é possível transformar uma campanha em algo que transcende o marketing, as vendas e a reputação. Não admira que tenha demorado dois anos a lançar-se neste furacão.

A diferença é que a marca de desporto não foi buscar um influenciador do Instagram nem uma estrela de reality shows, e não ousou fazer comentário social para tentar vender umas meias. A estratégia da Nike é de uma coragem que raramente se vê numa empresa cotada. Tudo começou três dias antes do arranque da nova temporada de futebol americano, no fim de semana prolongado do Labor Day, quando foi revelada a primeira imagem da campanha comemorativa dos 30 anos da Nike.

Em fundo, a cara de Colin Kaepernick, o ex-jogador dos San Francisco 49ers que implodiu a sua carreira quando começou a ajoelhar, durante o hino nacional, em protesto contra a injustiça racial nos Estados Unidos.

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Foto: People

O jogador começou a ajoelhar no início da temporada 2016/2017 e a astúcia que a Nike precisou empregar nas horas seguintes foi admirável.

Não demorou muito para surgir a hashtag #NikeBoycott, com mais de 100 mil tweets nas primeiras horas, e apareceram vídeos de pessoas a destruírem os seus equipamentos da marca. Estavam furiosas com o facto de a Nike ter tomado uma posição tão clara a favor de Kaepernick e da sua causa de justiça social e – aparentemente – contra Donald Trump.

O presidente criticou inúmeras vezes os jogadores que ajoelharam durante o hino ao longo dos últimos dois anos, chegando a dizer que não deveriam sequer viver nos EUA. Na primeira sessão de bolsa após a revelação da campanha, as ações da Nike tombaram 3% e Trump regozijou-se com o impacto negativo que a ousadia da marca estava a ter.

Mas a campanha não foi retirada. Não surgiu nenhum pedido de desculpas, ao contrário do que fez a Pepsi quando o anúncio “Live for Now” provocou a ira nas redes sociais. O que aconteceu foi o oposto: não só a Nike passou um anúncio poderoso de dois minutos narrado por Kaepernick na abertura da temporada de futebol (jogo entre os Philadelphia Eagles e os Atlanta Falcons), como foi anunciado um novo contrato multimilionário com o jogador.

Em letras brancas, a assinatura da campanha é clara: “Acredita em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo.” 

A direção da marca aguentou firme a tempestade, e agora está colhendo os frutos. A queda inicial das acções foi invertida e os títulos da empresa atingiram máximos históricos, subindo 5% desde que a campanha foi anunciada e adicionando quase 6 milhões de dólares ao valor da empresa (contas feitas pela CBS). A isso juntou-se um aumento de 31% nas vendas online na semana a seguir ao lançamento do anúncio.

Entre o início dos protestos de Kaepernick e esta campanha decisiva passaram-se dois anos, durante os quais a Nike deve ter ponderado muito bem os riscos que corria ao tomar partido.

Qualquer empresa que seja a favor ou contra qualquer coisa vai enfrentar boicotes. Potencialmente perderá clientes. Os investidores ficarão nervosos. Mas se fizer as coisas como deve ser, se perceber que há momentos na História em que ficar de lado é tomar uma posição em si mesma, a sua coragem será recompensada.

A Pepsi se agarrou em Kendall Jenner, uma modelo e princesa de reality shows sem qualquer histórico de intervenção em causas sociais, e colocou-a num cenário complexo com um final ainda mais estapafúrdio.

A Nike pegou num atleta que sacrificou a sua carreira – Colin Kaepernick está sem jogar há dois anos – para defender uma causa maior que ele e colocou-o no centro de uma campanha aspiracional. Ninguém acha que oferecer uma Pepsi a um polícia vai resolver confrontos raciais. Mas muitos olharão para Kaepernick como um herói. Mesmo que não se concorde com a sua causa ou o formato do protesto, a sua firmeza perante o caos é uma característica notável. “Não perguntes se os teus sonhos são loucos”, diz Kaepernick no final do anúncio. “Pergunta se são loucos o suficiente.”