Experiência de Marca

Inclusão: O banheiro da sua empresa tem?

Quais são as regras de conduta para usar o banheiro de sua casa? Quem definiu e cuida das boas práticas de uso dos banheiros dos aviões ou ônibus? Pois é, no dia a dia a gente nem se preocupa com estas questões.


Ronaldo-Bias Ferreira Jr., sócio-diretor da u.ma

Quais são as regras de conduta para usar o banheiro de sua casa? Quem definiu e cuida das boas práticas de uso dos banheiros dos aviões ou ônibus? Pois é, no dia a dia a gente nem se preocupa com estas questões. Parece “natural’’ que todas as pessoas possam usar esses espaços, sempre que for preciso. Todos somos iguais quando estamos frente à vontade urgente de ir a um banheiro: tudo o que desejamos naquele momento é um lugar limpo, seguro e que nos traga privacidade. 

No entanto, quando falamos de banheiros nas empresas, nos ambientes públicos ou em eventos, precisamos muitas vezes abrir mão de nossa privacidade, e nem todas as pessoas se sentem confortáveis com isso. 

Infelizmente, há pessoas que veem esse direito como exclusivo de apenas alguns grupos privilegiados, negando a outras pessoas esse acesso em ambientes de uso comunitário. Pessoas trans, por exemplo, são impedidas de usar o banheiro em lugares públicos ou coletivos, ou passam por grande ansiedade e angústia por ficarem horas sem poder ir ao banheiro, segurando a vontade de fazer as necessidades fisiológicas por temer olhares de reprovação, piadas de mau gosto, assédios e até mesmo agressões físicas. 

Aqui na um.a, percebemos que nossos clientes são cada vez mais questionados sobre esse assunto e um dos muitos pontos levantados é que há uma crença de que, especialmente mulheres trans, são potenciais agressoras e podem ser uma ameaça às mulheres cisgênero. Porém, trata-se de uma convicção baseada em LGBTQIAP+fobia e carregada de vieses, dado que a maior parte das agressões e estupros sofridos pela população feminina acontece dentro de ambientes domésticos, praticados por maridos, familiares, vizinhos, etc. Muitas vezes, o que ocorre é o contrário: são as mulheres trans que sofrem o risco de violência por homens quando são impedidas de usar o banheiro do gênero com que se identificam. 

Já deu para perceber que, embora pareça simples, este assunto já escalou as manchetes dos jornais, os corredores virtuais e cafezinhos do mundo corporativo e agora frequenta as pautas das reuniões e gera discussões acaloradas até na alta liderança das empresas.  

Mesmo polêmicos, temas como este são tratados diariamente pelas empresas, pois refletem a realidade das necessidades dos colaboradores e colaboradoras. Não é o tipo de tema opcional para as empresas. Se querem promover lugares seguros para todas as pessoas, elas precisam se posicionar, e sinalizar explicitamente para onde pretendem caminhar. Ser transparente, tornando explícitos os valores corporativos é um ótimo caminho. Até mesmo porque haverá resistência e pode-se perder alguns colaboradores desalinhados, que poderão abandonar o barco durante a jornada de transformação. Áreas de gestão de risco e governança da empresa precisam se organizar para lidar com reações adversas e suas consequências. Garantir o direito de todas as pessoas deve ser o único ponto inegociável. 

Por essas razões e após promovermos boas rodas de conversa com especialistas, resolvemos compartilhar alguns pontos de aprendizagem, dicas e boas práticas de como avançar, mesmo que com pequenos passos, rumo a ter ambientes e banheiros mais inclusivos para todas as diferentes pessoas no ambiente corporativo. 

1.        Para transformar a cultura corporativa, é necessário começar pelo alinhamento com a direção da companhia. Ter apoio explícito da alta liderança é fundamental nesses processos. Por isso é tão importante que as empresas desenvolvam lideranças inclusivas, que possam oferecer o suporte adequado frente aos desafios que vão aparecer. 

2.       É preciso estruturar e apoiar o Comitê de Diversidade da empresa, para que ele possa agir como legítimo moderador dos conflitos. Ele deve agir com equilíbrio, responsabilidade e ganhando a confiança de todos os colaboradores e da alta liderança da organização. 

3.       Especialistas reconhecem que em ambientes coletivos, mais que banheiros mistos, mantenham-se os banheiros masculinos e femininos, o que muda é o respeito a autodeclaração das pessoas, ou seja, que todas as pessoas possam acessar esses banheiros de acordo com suas identidades de gênero. Na prática, se uma pessoa se declara mulher, entra no feminino, e, se a autodeclaração é masculina, usa o correspondente. Vivemos em um tempo de mudança cultural e social que exige maior inclusão das diversidades que estão presentes. 

4.       Os especialistas lembram que criar banheiros exclusivos para pessoas trans é, na verdade, uma forma de segregação, e não de inclusão. Principalmente porque, dessa forma, a empresa foge da real conscientização e mascara um problema de nossos tempos que é a LGBTQIAP+fobia. Até mesmo porque a lei assegura que, independentemente do estabelecimento, qualquer pessoa trans tem o direito de usar um banheiro público, de acordo com sua identidade de gênero. 

5.       Uma boa prática para avançar nesse sentido é mapear a organização, entender quais áreas têm pessoas colaboradoras das comunidades LGBTQIAP+. Os locais em que as pessoas estão ambientadas a trabalhar e conviver com a diversidade são ideais para implantar banheiros cisgênero para atender a todes. Outro caminho, enquanto a situação é de realinhamento cultural, pode ser a criação de banheiros unissex próximos aos banheiros masculinos e femininos, como um sinal de apoio e respeito, mostrando que existem banheiros para todas as pessoas na organização. 

6.      Nos escritórios novos, de arquitetura sustentável, os banheiros são cada vez mais individuais – totalmente fechados, inclusive com pia e espelho dentro de cada box. Essa também é a melhor receita para obras de reforma dos banheiros já existentes nas empresas. 

7.       Cartazes, adesivos, placas ou obras físicas nos banheiros, por si só, não criam um ambiente inclusivo. Na verdade, eles são pequenos complementos de um estruturado processo de comunicação, conexão e vivências diárias sobre diversidade, equidade e inclusão que deve acontecer previamente nas corporações. É preciso letrar, informar e educar as pessoas para se evitar a propagação de mitos na organização e proteger colaboradores e colaboradoras das armadilhas dos vieses inconscientes. 

8.      Implementar políticas de tolerância zero contra situações LGBTQIAP+fóbicas é um bom caminho. As empresas que se posicionam conseguem criar mais rapidamente ambientes mais seguros e produtivos para todos, todas e todes. Ter um canal de denúncia ou ouvidoria, por exemplo, é uma forma de tratar casos discriminatórios com rapidez e eficiência. 

Todos esses pontos conferem responsabilidade social para a organização e estão alinhados com as boas práticas ESG. Visto por este lado, são processos que deixam de ser tão polêmicos e passam a ser mais facilmente abraçados pelas pessoas e admirados pela empresa e seus acionistas. 

Como vimos, o que tem funcionado são tentativas baseadas em boa governança e na cultura de cada empresa – não tem certo ou errado. Esse é um dos motivos de não haver estatísticas ou depoimentos a respeito do tema e também por essa razão as empresas não falam abertamente sobre o assunto. 

O mundo corporativo está tentando encontrar os melhores caminhos. Por isso é importante praticar tolerância com nossas “tentativas e erros” e muita gentileza com as pessoas que estão à frente desses processos. Quando falamos em diversidade e inclusão, mais que nunca, os erros servem para desvendar e iluminar caminhos antes desconhecidos. Por isso, este é um convite para que você saiba mais sobre o assunto e, como um profissional mais consciente, passe a liderar o processo de transformação.