Experiência de Marca

O sangue que manchou o Carrefour no Brasil

Em plena Era da transformação digital, as conexões são intensas e não há mais territorialidade limítrofe.

Em plena Era da transformação digital, as conexões são intensas e não há mais territorialidade limítrofe.

As pessoas – rapidamente – via mídias sociais são informadas, e, conforme, for sua identificação com o fato, tornam-se multiplicadores do mesmo. E como tudo na vida… há sempre o lado positivo e o lado negativo dessa nova ordem relacional.

Osasco, cidade da Grande São Paulo, localizada muito próximo ao centro de Sampa, e que somente tornou-se município emancipado após um plebiscito em 1962, ocupou as principais redes sociais no final do último fim de semana, e, logo depois, ganhou repercussão nos principais veículos digitais e tradicionais do jornalismo nacional.

A lástima é que os holofotes na cidade foi por uma barbárie que ocorreu no espaço físico de um dos hipermercados da rede francesa Carrefour localizado em Osasco, na Vila Yara: o cruel assassinato de um cachorro.

Conforme testemunhas, o cão perambulava há dias pelo estacionamento da rede, provavelmente em mais um caso de abandono. Tal situação comoveu até mesmo funcionários e empregados de diversas lojas localizadas no estabelecimento comercial que vinham revezando-se na oferta de água fresca e alimento ao animal.

Porém, tudo mudou quando por ordens gerenciais, um vigilante, entre quinta e sexta-feira passada, solicitou a expulsão do cachorro do local, o que foi feito com violência, à base de pauladas e que possivelmente, resultou na sua morte.

A decisão justificava-se, na ótica da empresa, pela visita de um grupo de executivos ao estabelecimento.

O Núcleo de Controle de Zoonoses da região ainda foi demandado a prestar socorro, porém o animal não resistiu.

O caso foi registrado, aberto um inquérito e está sendo investigado pela Delegacia de Investigações sobre o Meio Ambiente como maus-tratos, já que maltratar animais é crime, que pode render de três meses a um ano de prisão e multa. A punição é aumentada em até um terço se houver morte.

Entre indignações e consternações pela crueldade, está a marca francesa Carrefour, um dos maiores conglomerados de varejo alimentar no país, e quiçá, do mundo, com mais de 360 mil colaboradores, presente na vida de mais de 100 milhões de consumidores da Europa, Ásia e América Latina.

Os números no Brasil impressionam: a marca Carrefour, há mais de 40 anos por aqui, está presente em 13 Estados do país, com 123 lojas Express, sete Market, 40 supermercados Bairro e 101 hipermercados.

A empresa ainda é gestora da marca Atacadão que opera em todos os Estados e no Distrito Federal, com 164 unidades de autosserviço.

Na página institucional do Carrefour, a corporação enaltece seu propósito almejando “Ser o varejista mais querido e preferido do Brasil, reconhecido por sua excelência e inovação, com uma equipe que age com colaboração, responsabilidade e paixão, cuidando da nossa gente e de todos os detalhes para encantar o nosso cliente.”

E especificamente, analisando o imbróglio da situação estarrecedora descrita acima, é perceptível que o discurso bem construído para seduzir clientes, fornecedores, formadores de opinião pública e outros, tem muita dissonância com a prática no dia a dia.

O que foi retratado na não-ficção da empresa, foi a onda de repulsa que a marca está sendo alvo, não só na sua filial de Osasco, mas em diversas outras regiões, muito além do Estado de São Paulo, mas em todo o Brasil.

 Até mesmo onde a rede não se faz presente, já são inúmeras as manifestações e convocações de protestos e boicote geral à rede e sua família. Internautas estão se mobilizando para evitar as compras de Natal na empresa e espalhando para amigos e familiares.

Por meio do crowdsourcing, pessoas das mais diferentes classes sociais e culturais, estão unificadas buscando com seu poder de protagonismo, pressionar a empresa a se posicionar de forma contundente e buscar algum tipo de retratação, genuína e que possa amenizar minimamente o impacto doloroso causado pelas cenas registradas que correram a web do chão ensanguentado e pelo cão agonizante.

Há ainda a suspeita que o mesmo, tenha sido envenenado, e um laudo legista irá comprovar ou não mais essa brutalidade.

E para piorar ainda mais o quadro, a empresa demonstra toda a sua fragilidade no gerenciamento de uma crise em seu negócio, já que as duas notas oficiais emitidas – até o momento – são de um primor gélido, contraditório e com poucos argumentos persuasivos.

Em sua primeira nota oficial, depois de muitas horas de silêncio, o que já lhe remete amadorismo na tratativa de uma agrura, a rede Carrefour declarou que “Repudia veementemente qualquer tipo de maus-tratos” e que “Afastou a equipe responsável pela segurança do local no dia da ocorrência até que a rigorosa apuração em curso seja concluída e devidas providências adotadas.”

 Eles acrescentaram também ter acolhido o animal nas dependências da loja, oferecendo água e comida, até o recolhimento pela equipe do Centro de Controle de Zoonoses de Osasco.

Em momento algum registra um mea culpa por emitir a ordem assassina. Ou seja, mantém-se isenta, como se a culpabilidade fosse única e exclusiva do funcionário terceirizado, que fez questão depois de ressaltar.

A orientação partiu de um ser que tem um cargo gerencial, dada a um vigilante, que provavelmente demonstrou ser limitado de raciocínio articulado e tarefeiro deu conta do trabalho recebido.

Esse vigilante cruel, ou realmente tem o caráter brutal de um selvagem, ou acuado com as imposições feitas por seus “chefes”, temeroso em perder seu emprego, sujeitou-se a tornar-se uma pessoa desonrada na sociedade, atroz de um crime hediondo.

A pergunta não se cala: Como foi solicitada que uma “higienização” fosse feita no local, a vítima da vez foi um indefeso cão, mas poderia ser um pedinte, um morador de rua, uma criança carente… Existiria alguma sensibilidade diferente??? Como teria sido feita a abordagem??? Seriam também açoitados com um cabo de vassoura???

Na segunda nota emitida no final da tarde do dia 03 de dezembro, segunda-feira, o Carrefour, em uma narrativa mais longa apresenta outra versão da situação:

“Nossa apuração preliminar apontou que o cachorro estava circulando pelo estacionamento havia alguns dias. O Centro de Zoonoses de Osasco foi acionado por diversas vezes, mas não recolheu o animal. No dia do incidente, clientes se queixaram sobre a presença do cachorro, e, novamente, o órgão foi acionado.

Um funcionário de empresa terceirizada tentou afastá-lo da entrada da loja e imagens mostram que esta abordagem pode ter ocasionado um ferimento na pata do animal. O Centro de Zoonoses de Osasco foi acionado novamente e compareceu ao local para recolhê-lo. No entanto, no momento da abordagem dos profissionais do órgão para imobilização, o cachorro desfaleceu em razão do uso de um ‘enforcador’, tipo de equipamento de contenção.

A delegacia especializada de Osasco (D.I.I.C.M.A.) abriu inquérito e está investigando o caso. Estamos colaborando com as autoridades, disponibilizamos todas as informações e imagens para que o fato seja solucionado.”

E mais uma vez de forma irresponsável a empresa tenta apresentar suas escusas e coloca o Centro de Zoonoses de Osasco como a lancinante culpada pelo óbito. E o pior trecho, que provavelmente foi redigido por uma pessoa manipulada, diz que : ”… esta abordagem pode ter ocasionado um ferimento na pata do animal…”

Esquecendo-se de adjetivar que a abordagem em questão foi truculenta, sanguinária e hedionda, caso contrário o animal não teria o triste fim que teve.

A célula de Comunicação de uma empresa tem de estar muito bem preparada para intervir e estar à frente de situações que são difíceis e merecem, ainda mais, atenção e empatia.

Fato que torna a marca um estudo de caso de como não se comportar, tornando-se referência negativa até mesmo na sua tratativa comunicacional.

Os profissionais que lá estão parecem não ter tido formação específica para tal gerenciamento, e, provavelmente, sequer leram, o famoso caso Tylenol, que foi trágico, com o óbito de 7 pessoas envenenadas por cianeto, em 1982, nos Estados Unidos, após consumir o referido medicamento.

A diferença maior é que em momento algum a Johnson & Johnson, sua fabricante, tentou livrar-se angelicalmente da situação, repassando incumbências a outros envolvidos. Pelo contrário, assumiu parte de sua culpa, buscou ações imediatas para tranquilizar a população, atuou energicamente para cooperar em toda a investigação, e ainda, inovou, promoveu alinhamentos para tornar sua embalagem mais segura, já que posteriormente foi constatado que a empresa foi alvo de sabotagem.

A Johnson & Johnson foi sincera, não fugiu de seus compromissos, apresentando respeito pelo clamor e pânico dos cidadãos norte-americanos e conseguiu até mesmo recuperar sua legitimidade e confiança junto aos seus consumidores.

A comunicação foi peça central e especificamente, ações de Relações Públicas imediatamente foram traçadas e aplicadas.

Será que a equipe do Carrefour é composta por elementos figurativos de uma comunicação não estratégica, que não tem voz ativa e que como o vigilante dessa história é um simples tarefeiro, que age sem raciocinar e não mede as consequências de seus atos?

A comoção gerada pelo cão de Osasco traz à tona também a ausência de políticas públicas eficientes e eficazes, já que a população de cachorros e gatos andarilhos, jogados – literalmente – nas vias públicas não para de crescer.

E isso também requer a reflexão maior de toda a sociedade, sobretudo daqueles, que como tutores, em algum momento, desistem do seu compromisso com a vida animal que lhes foi atribuída, geralmente por vontade própria, e no menor sinal de despesas financeiras maiores, de desconfortos com barulhos ou de uma velhice que demanda cuidados especiais, não titubeiam e tão desalmados quanto o vigilante do Carrefour, abandonam os seres inocentes a mercê da sua própria sorte ou da ausência da mesma.

O sangue daquele vira-lata de Osasco manchou a marca do Carrefour, mas também respingou na sociedade brasileira, que tem no âmago da situação uma chance de cobrar não só justiça pelo ato em si, mas por exigir mais discernimento e humanidade de seus pares, sejam simples cidadãos ou autoridades.

De qualquer forma, até que esclarecimentos suasivos sejam apresentados, e que o Carrefour demonstre seu arrependimento e tenha atitudes dignas, que abracem a causa animal, me recuso a continuar mantendo minha relação com a empresa como consumidora.

Sei que meu consumo é pequeno, mas multiplique isso por milhões… Isso é lobby social e estamos aprendendo a exercê-lo!