Experiência de Marca

Não deforma, não tem cheiro e não solta as tiras

Parece estranho que uma das marcas mais incríveis do Brasil e do mundo, sinônimo de descontração, alegria, energia e uma atitude leve e de permeabilidade em qualquer tipo de classe social, tenha ao mesmo tempo milhões de admiradores e inúmeras pessoas que a criticam.

“Eu acho um esculhacho quem pega avião de chinelos.”

“Na boa, estamos na Croisette em Cannes e estes publicitários brasileiros estão todos se achando usando Havaianas. Pelo amor…”

“Chinelo? Havaianas? Só na praia e olhe lá…”

“Cara, na boa: cada um faz o que quer, mas eu não preciso conviver com seus dedos…”

DIL MOTA ARTIGO

Parece estranho que uma das marcas mais incríveis do Brasil e do mundo, sinônimo de descontração, alegria, energia e uma atitude leve e de permeabilidade em qualquer tipo de classe social, tenha ao mesmo tempo milhões de admiradores e inúmeras pessoas que a criticam.

Mais interessante é perceber que apesar de ser um tipo de sandália que se transformou numa ideia e num conceito, as populares e conhecidas internacionalmente Havainas, deixou de ser um produto e virou uma marca.

Mas os comentários e críticas exemplificados acima, não estão falando da marca e sim do produto, trazendo mais claramente uma visão ou questionamento do seu hábito de uso. E aí não adianta querermos justificar que um par de chinelos que custa por volta de R$ 500,00 em Londres, mas que no Brasil pode ser encontrado de R$ 20,00 a R$ 200,00 seja um sucesso e realmente é, mas como em cima desta história a gente pode teorizar ou provocar sobre como as pessoas veem as pessoas, como são vistas a partir de seus próprios hábitos e como isso pode influenciar na eficácia de uma comunicação ou até mesmo em suas vendas. A começar de você mesmo, como um produto que é.

Não precisamos pesquisar muito para ver o quanto a marca Havaianas trabalha intensamente sua imagem. Dos primeiros comerciais estrelados pelo saudoso Chico Anysio onde ele ressaltava claramente o título desta coluna, reforçando os 3 atributos que convenceria um consumidor ainda muito nichado sobre a sua funcionalidade…

DIL ARTIGO

Até os divertidos comerciais atuais e a linha gráfica premiadíssima que ela utiliza:

DIL ARTIGO

O produto agregou muito valor a si mesmo, a marca cresceu na percepção, invadiu o mindset dos consumidores, a linha de produtos se expandiu e as lojas ficaram cada vez mais incríveis. Mas e aquelas pessoas que não gostam de sandálias? Elas geram algum ruído em tudo isso?

É óbvio que a marca sabe disso, e o split mais aberto de produtos, incluindo outros tipos de calçados e approuchs diferentes para eles, dão claramente a dimensão de muita sinergia com o público, seus hábitos e a necessidade de entendê-los e não questioná-los.

Soa como preconceituoso para alguns qualquer tipo de crítica à adequação do uso de uma sandália em qualquer situação. Ok, você pode estar num casamento incrível e onde gentilmente distribui Havaianas para as convidadas poderem descer dos seus lindos e desconfortáveis sapatos e curtirem a festa.

Pode também aproveitar o clima descontraído de um casamento no campo ou a beira-mar, para trazer este item como parte do dress code. Quem sabe elas também não se encaixam tranquilamente naquela celebração de Ano Novo ou como o tema de uma divertida troca de presentes no Natal e seu “Amigo Secreto”?

E isso muda de lugar para lugar. No Rio de Janeiro, é parte integrante de qualquer visual, muitas vezes pouco importante onde você vá. Em outros, sempre há um olhar meio estranho e crítico, questionando o seu encaixe. E isso não vale apenas para uma festa ou evento social, os olhares existem nos aeroportos, nos supermercados, nos shoppings centers e até mesmo em escolas e universidades.

Em busca de conforto, por uma questão de estilo pessoal ou como uma maneira intencional de se mostrar como “desencanado”, descontruindo padrões e maneiras do “bem vestir”, as pessoas usam e abusam do seu direito universal de ser como são, mas sabemos que tem coisas e coisas, pessoas e pessoas e situações e situações. E se tem algo que a gente não pode impedir é o direito das pessoas gostarem ou não.

Como diz o velho ditado: cada um com seus problemas.

A ideia aqui não é fazer uma crítica à moda ou à sua forma pessoal de se vestir, mas como é sintomático o fato de avaliarmos melhor esse SENSO DE ADEQUAÇÃO, e aqui, finalmente, você vai encontrar a provocação de hoje: Tudo é algo muito relativo e feliz ou infelizmente se comporta completa e dependente da forma muito particular com que as pessoas se inserem no mundo em sua volta, e, em muitas vezes, dentro da própria bolha onde gravita o seu mundo.

Já falamos aqui em como as profissões criam verdadeiras comunidades que adotam linguajar e modo de vestir parecidos… Como também os meios de influência como séries e novelas de TV, personalidades do mundo da música, toda a sorte de influencers, as tendências de moda e também o mundo publicitário e o seu poder de indução, colaboram na construção de cânones do que é IN ou OUT, do que é certo ou errado e também do que é cabível ou não, mas logicamente temos na experiência e vivência pessoal um peso muito importante e um verdadeiro filtro dentro deste sistema.

E tudo aqui poderia ficar apenas na discussão sobre o direito e adequação de você usar o ou não o seu incrível par de Havaianas em qualquer lugar, mas estou querendo cutucar outra ferida: O porquê das pessoas estarem incomodando tanto quando fazem, dizem ou se comportam de alguma forma?

O incômodo estará nela ou em quem usa? O que está ressoando que está gerando esta situação? Existe um conceito chamado de “sombra” (the shadow) que diz que tudo aquilo que mais te incomoda nas pessoas pode ser encontrado dentro de você mesmo e que justamente este fato é que traz esta negação, como se fosse um movimento em destruir aquilo que não se gosta ou se aceita permitir que exista dentro de si.

Quantas vezes não ouvimos situações onde um político, grande perseguidor de prostitutas, é descoberto justamente fazendo o uso delas? Ou outros que se mostram preconceituosos às causas da diversidade e se revelam como de outro gênero…

O que havia era uma dificuldade em se aceitar como é de verdade, juntamente com um forte movimento em se mostrar contra tudo isso, inclusive contra as pessoas que tinham este traço como algo muito claro ou bem resolvido. E tudo como uma forma de mostrar sua dificuldade em se aceitar e em combater aquilo que já tinha dentro de si.

Ok, nessas horas você deve estar pensando que isso significaria que algumas pessoas talvez já tivessem dentro de si um forte movimento que não aceitasse o simples fato de que querem usar um par de Havainas em qualquer situação, mesmo criticando quem usa? Sim, é por aí!

Mas a questão não é o uso ou não das sandálias em si, a metáfora esconde outra questão: O exercício de liberdade, de fugir de padrões, de se aceitar como é, e, principalmente, de assumir o seu jeito esteja onde estiver. Talvez aqui esteja o ponto!

As Havaianas são só uma tangilibilização de um estado de espírito, talvez justamente aquele que você gostaria de ter pra si, mas que de alguma forma se nega ou não pode ter. Imagine-se agora diante de outros tantos dilemas que nos assaltam diariamente, as coisas que nos pegam, trazendo uma sensação de rejeição ou de negação, e veja o quanto elas ressoam dentro de você.

Mais do que reconhecer, é importante trabalhar com isso e ver todo o cenário muito além do calçado que você usa.

No final das contas, a gente tá falando de ser como a gente é e do direito das pessoas serem do jeito que elas são. Mais do que isso, é ficar insistindo na discussão de que a não deformamos, não temos cheiro e não soltamos as tiras…

Cabe talvez o gesto de calçar as famosas “Sandálias da humildade” e reconhecer que sim, somos falíveis, suscetíveis a muitos questionamentos e nos assumindo assim podemos fortalecer nossos principais pontos fortes, nos preparando para encarar frente a frente aquele personagem que despreocupadamente está usando aí seu par de chinelos no mesmo lugar ou situação onde você pode estar feliz por estar usando seu par de tênis, sapato, bota ou qualquer coisa que você decidiu vestir por você mesmo e que era o melhor que você poderia estar usando, confortavelmente e deixando claro para ficarem “De olho na sua marca“, porque você é “Legitimamente quem você é“.

 

Por Dil Mota.