Experiência de Marca

É de grátis?

OK! O certo seria perguntar se seria gratuito, mas como fugir da velha e usual frase, mesmo que ela não deixe o Professor Pasquale satisfeito?

OK! O certo seria perguntar se seria gratuito, mas como fugir da velha e usual frase, mesmo que ela não deixe o Professor Pasquale satisfeito?

dil mota

Para muitos, tudo o que grátis ou gratuito é bom e irresistível. São aqueles que dizem que grátis até “injeção na testa” e “ônibus errado”. Mas ainda que eu entenda que ganhar algo seja realmente muito bom, será que realmente existe algo que venha gratuito? Será que mesmo algo que oferecemos ou recebemos de forma aparentemente livre não está pedindo algo em troca?

E é interessante a gente usar o verbo ganhar, mesmo quando para poder honrá-lo fizemos alguma coisa por isso, pois se você “ganhou” na loteira, jogou e pagou por isso, logo, mesmo com uma sorte danada, você ainda fez algo para conseguir ter o prêmio em troca.

Se você ganhou um aumento, certamente não veio de graça, algo você fez para merecer isso. Se você “ganhou” aquela amizade, aquele novo amor ou uma experiência incrível, certamente você fez por merecer. Afinal, essas coisas não acontecem assim… de graça! Sempre que você ganhar, você fez algo por ou para isso.

E é justamente na graça destas coisas que a gente vê o quanto precisamos acreditar que a gratuidade é relativa, e que sempre tem o retorno de uma ação, o conjunto dela ou pelo menos o resultado de um esforço. Mesmo que o êfemero do acontecido não faça a gente acreditar nisso.

Você pode até concluir que seu time não “ganhou” um jogo por ter sido prejudicado pelo VAR ou que os deuses do futebol foram injustos porque ele jogou muito melhor, mas perdeu do outro… Mas esquecemos que se um time ou alguém ganhou, algum mérito ele teve, mesmo que a gente não concorde muito com isso.

Afinal, somos aqueles que dizem que o jogador perdeu o pênalti e não que o goleiro o defendeu. Ganhar ou perder então são coisas relativas e que mudam de lugar a toda hora.

A grande questão do ganhar talvez resida exatamente na noção clara que a gente possa ter do seu esforço em conquistar. Afinal, se traz aquele “gosto da vitória, Kolynos ahhh” (título de coluna em maio), nós normalmente nos sentimos mais felizes, mais completos, mais realizados e muito mais vencedores.

Agora se o “ganhar” vem meio solto, inesperado e repentino, nem sempre a gente reage muito bem – ainda que estejamos felizes pelo “presente”, e vou explicar isso mais, porque é aqui que reside a provocação de hoje.

Pesquisas recentes deixam claro o quanto resistentes ficam as pessoas quando recebem ou “ganham” de outra pessoa uma ajuda, colaboração ou sugestão que elas não pediram.

Para quem está “dando” parece uma ação poderosa de bondade, generosidade e senso de comunidade, mas, e para o outro, será que não sobra uma forma de invasão, intromissão e um desrespeito com a sua autoconfiança e o poder de resolver sozinho?

São muitas as pessoas que estão mais preocupadas em dar do que receber. Muitas delas, inclusive, também escondem com isso a profunda e escondida vontade de serem eles os escolhidos e ganhadores, e por aí saem semeando atos, muitas vezes falhos, entregando mais do que deviam, dando mais do que recebendo e gerando um grande desnível da sua balança de entradas e saídas, do dar e receber e do ganhar e poder dar ganho.

Ao pensar demais no próximo, corremos o risco de esquecer de nós mesmos e vale sempre a máxima que cansamos de ouvir nos aviões: “Em caso de despressurização, máscaras de oxigêncio cairão do teto, coloque primeiro em você e depois na pessoa ao lado”.

Deu pra entender? A gente realmente se credencia a ajudar ou dar mais, quando incrivelmente fazemos isso por nós mesmos, ao contrário de muitos pensamentos que pregam isso como egocentrismo. Só para resvalar na religião. Um dos mandamentos diz para amar ao próximo como a ti mesmo, então que história é essa de gerar um déficit tão grande dando muito mais do que recebendo?

Quantos de nós não somos protagonistas de histórias onde de maneira amorosa, atenciosa e despretenciosa oferecemos nossos préstimos, favores, conselhos, indicações, contatos e às vezes até dinheiro para as pessoas, envolvendo tudo isso numa áura de consideração? E quantas vezes no momento de um movimento contrário, encontramos uma disponibilidade inexistente e às vezes até uma má vontade em fazer por nós aquilo que fizemos tantas vezes e sem questionamento?

Cai então a questão do quanto existem pessoas que adoram estar do lado dos que dão, da mesma forma como existem aqueles que amam estar na posição dos que ganham e em muitas vezes com aquela carinha de que essa é a nossa obrigação.

Se não tomarmos pra nós o direito e a justica de que o dar e o receber seja realmente uma troca, que é correta e completamente justificável, talvez ficaremos pelo caminho com aquela cara de desagrado e decepção porque sentimos que fizemos muito e acabamos não ganhando nada.

A partir do momento que nossa disponibilidade possa estar presente, ela só pode se tangibilizar a partir de um pedido de ajuda ou da abertura em podermos estamos agindo. Eis aqui a equação clássica do dar e receber.

Sabe aquele lance de você estar por ali, oferecer seus inestimáveis préstimos, mas só agir se a pessoa realmente pedir? É isso! Ninguém se cura sem querer se curar! Ninguém se ajuda se não quiser se ajudar! E somente tendo a abertura de um pedido, é que podemos ter a certeza de que as pessoas “ganharão” o nosso auxílio. Caso contrário, seremos mal interpretados, sairemos com a fama de prepotentes, oferecidos, enxeridos ou de nos preocuparmos mais com os problemas dos outros, do que com os nossos.

Quantas vezes você faz algo de graça e quando precisa em troca, alguém te cobra? Erro dele ou seu que não definiu o preço das coisas? Será que as pessoas sabem realmente o valor do esforço por algo que você faz elas ganharem?

Uma historinha antiga diz que um navio de carga teve problemas técnicos no porto de Santos – tradicionalmente um dos portos com custo de atracamento mais caros do mundo – e simplesmente não funcionava. E preocupados com a demora em partir e as taxas decorrentes disto, os responsáveis chamaram imediatamente um mecânico do próprio porto para consertar, mas não deu certo.

Chamaram outros de outros lugares e nada funcionou. Trouxeram um técnico do estaleiro escandinavo que construiu o navio e nada. E enquanto isso, o taxímetro rodando e os valores ficando astronômicos…

Começaram então a apelar para tudo que pudesse dar pra eles uma solução: chamaram padre para benzer, pastor para rezar, pai de santo par dar um passe, fizeram novena, rezaram missa e nada de resolver o problema do navio, que nesta altura já gerava um prejuízo incalculável.

Foi então que lembraram do Seu Joãozinho, o dono de uma oficina no estilo martelinho de ouro, que ficava ali ao lado – em Vicente de Carvalho. Resolveram chamá-lo, pois qualquer ajuda seria bem-vinda.

Ele chegou todo humilde, com uma sacolinha daquelas de feira, contaram para ele o inexplicável problema, e ele então começou a andar ao lado do navio, parando em alguns momentos para passar a mão em regiões do casco.

Parou então repentinamente em um local específico, tirou de sua sacolinha um martelo e deu três marteladas, no que o motor automaticamente começa a funcionar para alegria e muita surpresa de todos.

Eles o cercam com alegria e ele simplesmente quieto, com um ar de dever cumprido. Perguntam então para ele quanto custaria e ele diz rapidamente: 100 mil reais!

Todos se olham meio assustados e um deles esbraveja: mas 100 mil reais por umas marteladinhas? No entanto, como o problema estava grande, resolveram pagar, mas antes o desafiaram a fazer uma nota fiscal discriminando o seu serviço.

Depois de alguns minutos preenchendo a nota fiscal, Seu Joãozinho a entrega e nela estava escrito: 3 marteladinhas…R$ 10,00 + Saber onde dar as marteladinhas…R$ 99.990,00!

É isso! Em inglês, GIFT não é só a palavra para presente, mas também uma referência para o DOM que uma pessoa tem. E tem muitas pessoas que misturam estes dois significados, achando que temos a obrigação em dar de graça o presente do nosso dom, como a criatividade, a atenção, o positivismo, o bom astral, um atencioso par de ouvidos, nossa capacidade de raciocínio, estratégia ou uma visão mais ampla de qualquer situação, e que isso não deve ser cobrado. Engano deles, mas também não podemos deixar ser um engano nosso.

Ganhar é gostoso, mas ganhar com méritos é melhor assim. Vamos valorizar o que ganhamos e dar espaço para as pessoas valorizarem aquilo que podemos dar para elas. Vamos também valorizar o que damos para que as pessoas entendam o valor do que estamos dando.

Afinal, você pode até gostar de tomar injeção na testa “de grátis”, mas se você a merecer ou valorizar quem está dando, pode ser que fique mais gostoso ou pelo menos menos dolorido.

 

Por Dil Mota.