Mídia

Não existe neutralidade na rede

Lembro até hoje do primeiro contato que tive com a internet: foi em 1992, por meio de um CD da AOL, que fornecia acesso via telefone. Era uma chamada para os EUA e cada minuto conectado custava alguns dólares, mas foi amor à primeira vista.

Lembro até hoje do primeiro contato que tive com a internet: foi em 1992, por meio de um CD da AOL, que fornecia acesso via telefone. Era uma chamada para os EUA e cada minuto conectado custava alguns dólares, mas foi amor à primeira vista.

Usei esse recurso até conseguir meu próprio acesso, mais barato, e fiquei fascinado com a idéia de obter informação a partir de um único local. Eu já usava BBS, tecnologia que conectava o computador a um serviço com informações limitadas e selecionadas — como softwares e textos — mas isso era bem diferente.

Quando tive acesso à rede, os provedores vendiam contas de 30 horas de navegação por mês, a R$ 30. Usei as primeiras 24 horas de acesso baixando o que anos depois viria a se tornar o sistema operacional dominante da web, um tal de Linux, ainda sem suporte à conexão.

A curiosidade por usar uma plataforma diferente rendeu meu primeiro emprego como administrador de provedor de internet aos 16 anos. Nesse trabalho eu comecei a encontrar um problema: existiam usuários que trafegavam cerca de 20 a 30 vezes mais dados que os outros, enquanto muitos consumiam um volume baixíssimo. Mas todos pagavam exatamente o mesmo valor pela rede.

Como o custo de conexão era bem alto e não existia maneira economicamente viável de disponibilizar a velocidade total que os usuários necessitavam para seu uso, nós éramos obrigados a usar uma série de artifícios para melhorar a experiência de todos — desde “cachear” as páginas de internet mais usadas, até configurar para que serviços que usassem muita banda ficassem um pouco mais lentos em prol de outros, mais usados. É, em 1996 nós já feríamos os princípios da neutralidade da rede.

Na prática, a internet no mundo é lenta porque nós acreditamos na ideia do buffet livre, como se ela fosse uma tomada onde você pluga seus dispositivos e consome tudo de graça, sem pagar a conta. Isso é um pensamento fundamentalmente errado, pois o provedor tem um custo variável diretamente proporcional à quantidade de dados trafegados, apesar de cobrar uma mensalidade fixa pelo serviço livre. Sabe por que a sua super conexão de 50Mb/s oferece, durante a maior parte do dia, só 10Mb/s? Porque um gamer sem noção está ocupando a rede enquanto você só quer o seu Netflix quando chega em casa.

O que o fim da neutralidade da rede discute é a possibilidade de se manter esse pseudo-socialismo cibernético por meio de acordos comerciais especiais com empresas interessadas em subsidiar o acesso, para ter um pouco mais de velocidade do que o normal. Ele não vai deixar o tráfego digital mais lento, porque a velocidade já é reduzida; a internet está no seu limite desde que nasceu, e o que os provedores fazem é priorizar o que as pessoas mais usam para ficar tornar a experiência do usuário “menos pior”.

Num mundo ideal, os provedores dariam velocidade ilimitada e os clientes pagariam por gigabyte transferido. Assim as empresas seriam incentivadas a oferecer a melhor rede possível a qualquer momento, ao mesmo tempo em que se o usuário não consumir, não paga nada (o problema seriam as assinaturas e médias de consumo, que precisam acabar). Mas ninguém quer discutir isso. Precisamos aceitar que a neutralidade nunca existiu e usar esse entendimento a favor do usuário.