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Metaverso: o avanço do retrocesso?

E a partir do momento que os ambientes virtuais são para seres humanos, teremos por óbvio a reprodução do que ocorre na sociedade em seu ambiente físico.

*Por Karolyne Utomi

A cada segundo a tecnologia avança e entrega o que promete, com inovações que além de trazerem facilidades para o nosso cotidiano, passa a integralizar cada vez mais o ambiente físico com o digital, onde já se torna impossível diferenciar um espaço do outro, e a popularização do Metaverso concretiza isso.

Por outro lado, um episódio curioso e triste de assédio sexual sofrido neste ambiente, contra uma mulher, revelado na última semana, escancara o que parece que muitos desenvolvedores e a população em geral ainda não enxergaram: avançar tecnologicamente sem preparar a sociedade para isso, é o mesmo do que entregar uma Ferrari na mão de quem não sabe dirigir.

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Ou seja, a tecnologia jamais alcançará seu maior e melhor (frise-se) potencial enquanto não nos preocuparmos com a preparação da sociedade para este avanço. E pior, teremos um retrocesso. Obviamente que não em questão de material tecnológico, mas sob a óptica de resultados sociais e humanos.

No episódio específico em questão, não houve simplesmente a fala de um homem de caráter sexual. Nina Janes, a vítima do ato, relatou que seu avatar foi perseguido por quatro avatares masculinos, com vozes masculinas, que a apalparam diversas vezes e gritavam frases pejorativas de cunho sexual.

Este fato ocorreu especificamente no Horizon Worlds, que é uma plataforma do Facebook no Metaverso.

Como o Metaverso é desenvolvido justamente com a ideia de plataformas que integram totalmente o ambiente físico com o digital, sem percepção de divisão entre esses ambientes, o que aconteceu com Nina foi sentido por ela como se estivesse pessoalmente com estes agressores, causando um grande abalo.

Após o ocorrido, os desenvolvedores informaram que adotarão algumas medidas para tornar mais práticas as configurações que ajudam a evitar minimamente estes cenários, bem como verificarão a possibilidade de novas configurações.

Fato é que assédio sexual não é uma situação nova em nossa sociedade, e diante disso, há a reflexão do porquê o desenvolvimento das novas tecnologias não estarem considerando as problemáticas já existentes em nossa humanidade no momento de sua criação.

É demasiadamente utópico pensarmos que os ambientes digitais serão livres de pessoas que praticam crimes, pervertidos, psicopatas, ou simplesmente irresponsáveis. O mundo é composto por pessoas deste tipo, infelizmente.

E a partir do momento que os ambientes virtuais são para seres humanos, teremos por óbvio a reprodução do que ocorre na sociedade em seu ambiente físico, que já nem é tão físico mais diga-se de passagem.

Com a potência que as novas tecnologias e a Internet em si carregam, ter reproduções dos aspectos bons e ruins dos seres humanos, propicia termos uma sociedade em sua pior versão em ambientes digitais ou híbridos.

Contudo, é possível que esse caminho seja diferente e tenhamos uma versão melhorada de nossa era digital e seus futuros, até porque o problema não é a tecnologia, e sim os seus operadores, nós, seres humanos.

É urgente e essencial que ao se desenvolver novas plataformas e aplicações sejam consideradas, de forma preventiva, o combate de diversas situações negativas que se perpetuam em nosso cotidiano de forma não tão excepcional.

É inadmissível que não sejam pensadas, de uma forma também tecnológica, configurações que combatam assédios, cyberbullying, homofobia, xenofobia e racismo, por exemplo.

Não haverá milagre que faça com que atitudes que envolvam estes crimes desapareçam, e é um tanto irresponsável que se espere fatos como este acontecerem para que algo seja feito de maneira efetiva. O mínimo é pouco, é necessário impor ações estratégicas e sem vieses.

E ao mesmo tempo que causa estranheza a ausência da adoção destas medidas, é natural que por falta de diversidade na equipe de desenvolvedores ou por comportar um padrão que não é primordialmente lucrativo, que esta prevenção seja deixada para segundo plano.

Por esta perspectiva, conseguimos ver que uma boa regulamentação pode ser um caminho para que ao menos haja obrigatoriedades de se estabelecerem medidas preventivas e protetivas.

Assim como, conscientizar as pessoas de que a Internet e o ambiente digital não é um mundo anárquico, e por isso também é importante que se publicize quais foram as punições ou procedimentos administrativos de apuração que os usuários foram submetidos neste episódio de assédio.

Não basta avançar em técnica, mas não avançar em desenvolvimento social e humano, pois enquanto não houver ações neste sentido, nunca teremos tudo de positivo que as novas tecnologias podem realmente nos oferecer. Caminharemos com o avanço tecnológico e o retrocesso da humanidade, e não é para isso que a Internet e as novas tecnologias existem.