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Dificuldades e afeto no ‘mundo invisível’ da periferia

É nessas horas que reconheço a situação privilegiada em que estou, mesmo vivendo na periferia. Vivo em uma casa própria, com acesso a água encanada, energia e internet.

Moradora da periferia, recebo relatos que mostram as dificuldades vividas por populações vulneráveis durante o isolamento. 

Há muita gente em risco por conta da aglomeração de pessoas em espaços confinados e com pouco acesso a possibilidades de higienização – muitas casas não têm água, esgoto ou energia. 

Há até o relato de um líder comunitário de Paraisópolis, para a BBC Brasil, de que haveria vários casos de Covid-19 no local.

Para aumentar o quadro de dificuldades, alguns conhecidos meus contaram que tentaram usar os serviços de SUS e AMA, mas os atendentes mandam as pessoas para casa. 

Dizem, também que falta medicação, médicos e há poucos leitos. Em meio a esse quadro difícil, recebi dados preocupantes, informando que o número de agressões nas residências subiu. E sinto relatar que a incidência tem crescido entre as famílias mais pobres e a incidência tem crescido. O uso de bebidas alcoólicas, misturado à fome e inércia, gera péssimos resultados.

Não é de estranhar que tenho recebido pedidos de socorro vindo de comunidades, de serviços comunitários e de coletivos que estão tentando minimizar as dores dos mais desassistidos.

Nesse grupo de “invisibilizados” há moradores de rua, pessoas trans sem teto e até prostitutas. Mas também aqueles que moram em áreas sem nenhuma infraestrutura e vendem coxinha, chocolate e bala e agora não podem sair, nem vender nada para comprar comida ou água. 

Nessa situação há, ainda, trabalhadores informais, pessoas que prestam serviços domésticos, aqueles que dirigem carros para terceiros, entre outros, que estão reclusos em casa sem dinheiro e sem nenhuma perspectiva de receber, porque estão parados. Até a comunicação é prejudicada, já que muitos não têm celular ou moram em áreas em que não há nem mesmo sinal.

Contraponto

É nessas horas que reconheço a situação privilegiada em que estou, mesmo vivendo na periferia. Vivo em uma casa própria, com acesso a água encanada, energia e internet. 

Por aqui, mercados, farmácias e padarias estão abrindo. No meu caso, a empresa onde trabalho se organizou para podermos manter as atividades a partir de casa, via internet. Mas e quem está ainda mais longe nas periferias ou nas ruas? 

Muitos nem têm celular e conheço lugares onde a internet muitas vezes nem chega.

Um contraponto a toda essa situação é algumas famílias que estão usando esse tempo dentro de casa para jogarem juntas, cozinharem juntas e dialogarem! Sim, nesses momentos em que nos isolarmos é hora de dizer não a tudo que a sociedade nos cobra: não temos motivos para estar focados em resultados, correndo contra o tempo, sempre ocupados e sempre desumanizados, quase surdos, cegos e mudos.

Eu tenho tirado tempo para jogar com meus filhos, fizemos algumas maratonas de filmes e jogamos juntos. Estamos testando algumas receitas mais econômicas, tentando usar os alimentos de maneira mais saudável, e, de vez em quando, pedimos pizza e comemos juntos – os preços promocionais vão de 3ª a 5ª feira. 

Para evitar contágio, tenho feito tudo o que posso pela internet ou aplicativos: doações, compras de itens para consumo, exceto frutas e verduras, que pego no sacolão. Tudo para não sair, porém em alguns momentos procuramos o sol no quintal e ouvimos um grande silêncio!